Poemas sobre Corpo de Rosa Alice Branco

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Poemas de corpo de Rosa Alice Branco. Leia este e outros poemas de Rosa Alice Branco em Poetris.

Maomé e a Montanha

Guardo o mais absoluto segredo
das pedras que rolam no fundo dos leitos
embora nada saiba,
nada ouse saber.
Vou pelo olhar até ao rio,
o rio vem a mim
e ambos caminhamos deslumbrados
para fora de nĂłs.

O cantar da água
corre nos meus olhos exactamente como corre
a manhĂŁ
até que o sol a prumo
faz de mim o desenho do rio
que vejo,
o mapa das veias
onde o corpo nasce de novo.

Ă€ vinda procuro a minha sombra.
O coração que me há-de trazer de volta
demora-se no rio
como se nele corresse
uma sede de olhar.

Os pés colam-se à margem.
Do outro lado as casas vĂŁo mudando
de expressĂŁo
mais lentamente do que a água corre.
O sol abraça-me pelas costas
e deixa-se escorregar como crianças
que riem,
que nĂŁo distinguem a voz seca do tempo.

É noite à lareira da casa.
Os objectos acendem-se:
também eles mudam de rosto
como tudo o que Ă© iluminado por amor.

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Hora de Ponta

Apanhar um lugar a esta hora Ă© uma sorte, poder olhar
pela janela e fingir que tenho imunidade diplomática,
que estou de lá do vidro com o hálito das folhas, o sabor
a hortelĂŁ e um ar fresco interrompido pela velha senhora
a quem cedo o assento e um sorriso enquanto me agradece
de nada, de ir agora em pé empurrada, de cá do vidro
a apanhar uma overdose de realidade com o bafo quente
do homem gordo na minha orelha, com a mĂŁo livre
apertada contra o peito, contra o visco da hora apinhada
na minha pele pĂşblica, na minha pele de todos.
No banco em frente uma mulher afaga a neta com o sorriso
doce e cansado, os olhos brilhantes, a candura intacta
toma-me toda como se eu fosse um anjo
descendo Ă  terra com um corpo real para que a minha pele
receba a dádiva da tua, aceite os cheiros de um dia de trabalho,
o calor excessivo, a proximidade insustentável e leia no teu rosto
cada mandamento nos solavancos que nos atiram uns para
os outros. No teu rosto ĂŁ hora de ponta aprendo a compaixĂŁo
até sair na próxima paragem com um suspiro de alívio.

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O Pecado da Gula

Ontem Ă  tarde saĂ­.
Queria passear as lembranças
que um dia de chuva faz crescer em nĂłs.
Há dias que o vento rondava a casa
cheio de segredos incompletos
a roçar-me a orelha. E eu não resisto
ao sabor do vento
e a uma boa histĂłria para enganar o frio.

É fácil perdermo-nos nas ruas.
Nunca se regressa pelos mesmos caminhos
mas todos parecem iguais
com o cheiro da chuva a deixar o alcatrĂŁo
e a subir na memĂłria
de outras ruas.
Mas há só um caminho que trilhamos. O corpo
Ă© uma bĂşssola fiel que segue pela estrada
enquanto o pĂł se levanta
muito para além dos nossos passos.