Poemas de Cruzeiro Seixas

5 resultados
Poemas de Cruzeiro Seixas. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Poema da Profundidade Horizontal

Pintem uma paisagem dentro de outra
porque nisso está a verdade.
Olhem como avançam cautelosamente
pela falésia a pique;
uma curta aprendizagem
na agulha da torre
bastou.
Olho-te como para uma lente de aumentar,
uma luz para mais iluminar,
como se fosses antes de haver luz
uma pedra preciosa,
a causa das guerras:
dorme sobre os joelhos
e sente
revir ao mesmo tempo
automaticamente
os braços superiores laterais
enferrujados,
como a luz do velho farol.
Beija os dez cães que há dentro de um cão vadio,
os cem homens que há dentro de um homem,
de tal maneira que
o ar fique em chamas
e seja a única salvação
a mĂŁo do mar eternamente
na nossa fronte.

Um CĂŁo Ă© isto de Sermos Gente

Um cĂŁo
Ă© isto de sermos gente.

Se temos sĂł duas pernas
temos em contrapartida
uma complicação escura
dentro do peito.

Qualquer coisa como
os fundos desconhecidos
da água
sĂł conhecidos
dos náufragos.

Para matar
Ă© preciso uma arma
e para voar
como bĂşzios
precisamos papel e lápis
— e assim viajamos
dentro de vegetais malas de viagens
procurando o destino sufocante
de todas as paragens.

A Tua Boca Adormeceu

A tua boca adormeceu
parece um cais muito antigo
Ă  volta da minha boca.

Mas as palavras querem voltar Ă  terra
ao fogo do silêncio que sustém as pontes
perdidas na sua prĂłpria sombra.

E há um cão de pedra como um fruto
que nos cobre com o seu uivo
enquanto pássaros de ouro com mãos de marfim
transplantam as árvores transparentes
para o ponto mais fundo do mar.

As lágrimas que não chorei
arrependidas
fazem transbordar a eterna agonia do mar
como um lençol fúnebre
com que tivesse alguém coberto o rosto metafórico
dos cinco continentes que em nĂłs existem.

Assim Ă© ao mesmo tempo
que sou eu e nĂŁo o sou
aquele relĂłgio das horas de ouro
que além flutua.

Era um Pássaro Alto

Era um pássaro alto como um mapa
e que devorava o azul
como nĂłs devoramos o nosso amor.

Era a sombra de uma mĂŁo sozinha
num espaço impossivelmente vasto
perdido na sua prĂłpria extensĂŁo.

Era a chegada de uma muito longa viagem
diante de uma porta de sal
dentro de um pequeno diamante.

Era um arranha-céus
regressado do fundo do mar.

Era um mar em forma de serpente
dentro da sombra de um lĂ­rio.

Era a areia e o vento
como escravos
atados por dentro ao azul do luar.

Era uma Pedra Feminina

Era uma pedra feminina
muito perto de uma pedra bem masculina
onde
a todo o comprimento do mastro
batiam os dentes das aves.
E o que restava das mĂŁos mais antigas
pedia ainda dinamite
talheres avulso
mastodontes inviolados
alguns jovens em renda para bordar as estradas
hastes primaveris correndo o risco de se tornarem de bronze
acenando
a uma paisagem
hexagonal
maior que a soma de todas as janelas.