Poemas Interrogativos de CecĂ­lia Meireles

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Pergunto-te Onde se Acha a Minha Vida

Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuĂ­da.

VĂŁo-se as minhas perguntas aos depĂłsitos do nada.

E a quem Ă© que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silĂŞncio da coisa irrespondida.

De Longe Te Hei-de Amar

De longe te hei-de amar
– da tranquila distância
em que o amor Ă© saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existĂŞncia
Ă© ser eternidade
e parecer ausĂŞncia.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violĂŞncia,
cumpre a sua verdade,
alheia Ă  transparĂŞncia.

De Que SĂŁo Feitos os Dias?

De que sĂŁo feitos os dias?
– De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inactuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glĂłrias
– do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças…

Romantismo

Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
para pensar um belo pensamento
e pousá-lo no vento!

Quem tivesse um amor – longe, certo e impossĂ­vel –
para se ver chorando, e gostar de chorar,
e adormecer de lágrimas e luar!

Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
partisse por nuvens, dormente e acordado,
levitando apenas, pelo amor levado…

Quem tivesse um amor, sem dúvida e sem mácula,
sem antes nem depois: verdade e alegoria…
Ah! quem tivesse… (Mas, quem teve? quem teria?)

Ninguém me Venha Dar Vida

Ninguém me venha dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que nĂŁo tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferida,
que nĂŁo me quero curar,
que estou deixando de ser
e nĂŁo me quero encontrar,
que estou dentro de um navio
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.

Corações, por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.

Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que sĂł quis a quem nĂŁo quis.

Sem Corpo Nenhum

Sem corpo nenhum,
como te hei de amar?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma escolheste
esse doce mal!

Sem palavra alguma,
como o hei de saber?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma desejas
o que nĂŁo se vĂŞ!

Nenhuma esperança
me dás, nem te dou:
— Minha alma, minha alma,
eis toda a conquista
do mais longo amor!

Jornal, longe

Que faremos destes jornais, com telegramas, notĂ­cias,
anĂşncios, fotografias, opiniões…?

Caem as folhas secas sobre os longos relatos de guerra:
e o sol empalidece suas letras infinitas.

Que faremos destes jornais, longe do mundo e dos homens?
Este recado de loucura perde o sentido entre a terra e o céu.

De dia, lemos na flor que nasce e na abelha que voa;
de noite, nas grandes estrelas, e no aroma do campo serenado.

Aqui, toda a vizinhança proclama convicta:
“Os jornais servem para fazer embrulhos”.

E Ă© uma das raras vezes em que todos estĂŁo de acordo.

Inscrição

Quem se deleita em tornar minha vida impossĂ­vel
por todos os lados?
Certamente estás rindo de longe,
ó encoberto adversário!

Mas a minha paciĂŞncia Ă© mais firme
que todas as sanhas da sorte:
mais longa que a vida, mais clara
que a luz no horizonte.

Passeio no gume de estradas tĂŁo graves
que afligem o prĂłprio inimigo.
A mim, que me importam espécies de instantes,
se existo infinita?

Gargalhada

Hornem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

NĂŁo vĂŞs?
É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras…

O riso magnĂ­fico Ă© um trecho dessa mĂşsica desvairada.

Mas Ă© preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trĂ©mulas…

Escuta bem:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Só de três lugares nasceu até hoje esta música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.

Rimance

Onde Ă© que dĂłi na minha vida,
para que eu me sinta tĂŁo mal?
quem foi que me deixou ferida
de ferimento tĂŁo mortal?

Eu parei diante da paisagem:
e levava uma flor na mĂŁo.
Eu parei diante da paisagem
procurando um nome de imagem
para dar à minha canção.

Nunca existiu sonho tĂŁo puro
como o da minha timidez.
Nunca existiu sonho tĂŁo puro,
nem também destino tão duro
como o que para mim se fez.

Estou caĂ­da num vale aberto,
entre serras que nĂŁo tĂŞm fim.
Estou caĂ­da num vale aberto:
nunca ninguém passará perto,
nem terá notícias de mim.

Eu sinto que nĂŁo tarda a morte,
e só há por mim esta flor;
eu sinto que nĂŁo tarda a morte
e nĂŁo sei como Ă© que suporte
tanta solidĂŁo sem pavor.

E sofro mais ouvindo um rio
que ao longe canta pelo chĂŁo,
que deve ser lĂ­mpido e frio,
mas sem dó nem recordação,
como a voz cujo murmĂşrio
morrerá com o meu coração…

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