Poemas sobre Lençóis de Ary dos Santos

2 resultados
Poemas de lençóis de Ary dos Santos. Leia este e outros poemas de Ary dos Santos em Poetris.

Quando um Homem Quiser

Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Minha Mãe que não Tenho

Minha mãe que não tenho    meu lençol
de linho    de carinho    de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância.

Ai água que não bebo em vez do fel
que a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai fonte que eu não oiço    ai mãe    ai mel
da flor do corpo que me traz à míngua.

De que Egipto vieste?    De que Ganges?
De qual pai tão distante me pariste
minha mãe    minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.

Minha mãe que não tenho    minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila    virgem    buda    corça
ou apenas um mundo em que não entro?

Minha mãe que não tenho    inventa-me primeiro:
constrói a casa    a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo    que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.