Poemas sobre Milagres

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Poemas de milagres escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Natal

Perguntei pelo Natal,
indicaram-me os rochedos.
Subi a altas montanhas,
sĂł trouxe sustos e medos.

Um mendigo, previdente,
avisou-me: o Natal
fica na quilha de um barco
que ainda nem Ă© pinhal.

E minha avĂł, mondadeira
do trigal que eu nunca tive,
dizia desta maneira:
— É dentro desta ribeira,
tecendo os bunhos da esteira,
que o Natal, em brasas, vive.

O vento nada sabia
e a noite, irada, afirmava
que o Natal Ă© o meio-dia
de uma noite inacabada.

Li poemas, li romances,
mondei sonetos na horta:
Do Natal, sĂł as nuances
da fome a rondar a porta.

Até que um dia, ó milagre,
levado pelo coração,
toquei teus seios redondos
– brancas rolas, rĂłseos pombos –
e tive o Natal na mĂŁo!

Semântica Electrónica

Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado
Ordeno ao ordenador que me ordenhe o ordenhado
Ordinalmente
Ordenadamente
Ordeiramente.
Mas o desordeiro
Quebrou o ordenador
E eu já não dou ordens
coordenadas
Seja a quem for.
EntĂŁo resolvo tomar ordens
Menores, maiores,
E sou ordenado,
Enfim – o ordenado
Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado.
– Mas – diz-me a ordenança –
Você não pode ordenhar uma máquina:
Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca.
De mais a mais, vocĂŞ agora Ă© padre,
E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha
Velhaca, mesmo uma ovelha velha,
Quanto mais uma vaca!
Pois uma máquina é vicária (você é vigário?):
Vaca (em vacância) à vaca.
SĂŁo ordens…
Eu entĂŁo, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado,
Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa
(Para acabar a conversa
Como aprendi na Infantaria),
Ordenhado chorei meu triste fado.
Mas tristeza ordenhada Ă© nata de alegria:
E chorei leite condensado,
Leite em pó, leite céptico asséptico,
Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!

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Rodopio

Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas tĂ´rres de marfim.

Ascendem hĂ©lices, rastros…
Mais longe coam-me sois;
Há promontórios, farois,
Upam-se estátuas de herois,
Ondeiam lanças e mastros.

Zebram-se armadas de cĂ´r,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor…

Cristais retinem de mĂŞdo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços…
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segrĂŞdo.

Luas de oiro se embebedam,
Rainhas desfolham lirios;
Contorcionam-se cĂ­rios,
Enclavinham-se delĂ­rios.
Listas de som enveredam…

Virgulam-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.

Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emmaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos de anseantes…

(Há incenso de esponsais,
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas –
Um lenço, fitas, dedais…)

Há elmos, troféus, mortalhas,
Emanações fugidias,

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Respira Naturalmente

Respira naturalmente como erva
Acordada ao orvalho da manhĂŁ.
Voz exacta da noite Ă© o silĂŞncio e a
Seta que trespassa os nossos olhos fundidos
No espanto do milagre
Inominado.
Respira como quem canta.
Natural. Espontâneamente.
Ou como quem apenas vive. Ou
Mente, e apenas mente.
No olhar traĂ­do,
A sombra dĂşctil de ser
Força móvel e irreversível.
Gume de um sĂł lado. Vamos!
Respira. Abre, diurno, Ă  inflexĂ­vel luz
A dor do teu olhar calado.

Ă€ Beleza

Não tens corpo, nem pátria, nem família,
NĂŁo te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rĂłi.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.

És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pĂŁo, anda faminto.

És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.

És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.

És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço…
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.

A Salvação do Mundo

Os anjos levaram as igrejas…
Anjos envergonhados, de grandes asas tristes,
que fugiam, escondendo o rosto,
nas pregas dos mantos, que os incĂŞndios enegreciam.
Levaram as igrejas, os santos e os milagres.
E os homens ficavam olhando o céu,
os homens que tinham deixado os anjos levar as igrejas,
de mĂŁos postas, ajoelhados.
As mĂŁos que eram para nĂŁo deixar os anjos levar as igrejas.
Mas os homens já não sabiam,
e os anjos julgaram que eles nĂŁo queriam as igrejas para nada.

A terra vazia e os homens de mĂŁos postas, ajoelhados.

EntĂŁo surgiram os anjos de extermĂ­nio.
E as longas espadas flamejantes
deceparam as cabeças dos homens ajoelhados,
que tinham fechado a porta das igrejas na cara da verdade.

O Poema Pouco Original do Medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automĂłveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mĂŁozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos nĂŁo sĂł nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmĂşrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na Ăłpera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
Ăłptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
herĂłis
(o medo vai ter herĂłis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
paĂ­ses
suspeitas como toda a gente
muitĂ­ssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que Ă© justamente
o que o medo quer)

*

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos