Como Realiza o Corpo este ExercĂcio da Queda
Como realiza o corpo este exercĂcio
da queda no sĂşbito conhecimento
do espanto, quando os olhos estĂŁo vencidos,
cerrados pela transparĂŞncia e pela luz
ofuscante da alva? À medida que o corpo
seca e se aplacam os seus, outrora, amáveis
dons, se ensombram os ossos, mĂseras as mĂŁos
emagrecidas e se desnuda a carne
no fundo fôlego das águas, aumenta
o assombro da claridade. SĂł a vida
gerou o tempo, eis que ausente, ao resplendor
inesperado da luz descida. Onde vai
o humilde corpo, se corpo resta ou se outro,
receber a miraculosa mudança
de nada existir a nĂŁo ser o profundo
bando do grito terrĂvel de todos
os mortos? Ah, que estupor sela os mĂşsculos,
enrijece as unhas e aspira a voz,
resfria o suor e nos conduz, inertes
e cegos, ao nĂşcleo da luz deslumbrante?
Ă“ mar de que futuro, rumor volĂşvel,
sopro claro, envolve-nos de compaixĂŁo!
Poemas sobre Mudança de Orlando Neves
3 resultadosCriei, nĂŁo PossuĂ
Criei, nĂŁo possuĂ.
Instante de infinitude, o que moldei na voz
respira. A firme casa do meu corpo se fez
pelo contraste, que só o contrário cria.
NĂŁo possuĂ,
denso ou raro,
pequeno até ao nada,
nenhum sĂmbolo,
nenhum olhar de brasa,
nenhum odor colado Ă pele.
Pretendi a verdade, mas tudo se muda
pelos meus olhos e a fosca luz do que foi viver
sĂł no amor se moveu. Morto o amor,
transforma-se a água.
Onde a noite não há e o dia não é,
esqueço as mudanças do tempo
e com meus ardis me defendo
do terror de mim.
Só os Lábios Respiram
Só os lábios respiram. Simples gesto vivo,
exĂlio do som onde se oculta o pavor da
palavra, pátria salgada cerrada no vazio
da casa de velhos deuses ávidos de preces.
Na garra da águia se fecha e rompe a boca,
templo e entranha, prodĂgio e anel
do eco, sinal esparso do caĂdo concerto
da vida. Por estes soberbos montes, estas
rasas colinas, estas águas circulantes,
vai o grito da cegueira, o delĂrio lasso
na manhĂŁ, a saciada loucura do escuro
nome nocturno. Como um fragor dos céus,
caminha o canto agudo das árduas cigarras
perseguindo a funesta morte. Por esta
paisagem parda, que lábios me guardam
do próximo desastre, a mudança em ave,
cio ou sal, erva ou peixe, cicatriz ou
mito, veia ou água? Que lábios respiram
na coisa mortal que serei apĂłs o termo
da eterna efemeridade deste meu corpo,
coma de luz, deste desejo, rijo resĂduo,
deste pensamento, disfarce ou máscara,
deste rapto do tempo, deste
coração que começa?