Poemas de Sá de Miranda

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Poemas de Sá de Miranda. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Esparsa

Não vejo o rosto a ninguém,
cuidais que sou, e nĂŁo sou.
Sombras que nĂŁo vĂŁo nem vĂŞm,
parece que avante vĂŁo.
Entre o doente e o sĂŁo
mente cada passo a espia;
no meio do claro dia
andais entre lobo e cĂŁo.

O Coração que Vos Vê

O coração que vos vê
aos olhos que vos nĂŁo vĂŞem
nĂŁo nos culpem, que nĂŁo tĂŞm
alguma razĂŁo porquĂŞ.

Cada hora este olhos canso
por estes montes arriba
que Ă  vista curta e cativa
tolhem todo seu descanso.
Deixem-nos cegar, que tĂŞm
olhando razĂŁo porquĂŞ:
o coração que lá é
os tristes choram d’aquĂ©m.

Por estes Campos sem Fim

Por estes campos sem fim,
onde a vista assim se estende,
que verei, triste de mim,
pois ver-vos se me defende?

Todos estes campos cheios
sĂŁo de saudade e pesar,
que vem para me matar,
debaixo de céus alheios.
Em terra estranha e em ar,
mal sem meio e mal sem fim,
dor que ninguém não entende,
até quão longe se estende
o vosso poder em mim!

Do Passado Arrependido

Do passado arrependido,
seguro doutro erro tal,
seja o perdido, perdido,
e do mal, o menos mal.
Faça-se o que vós mandais:
não nos ouça mais ninguém,
que do mal vosso e do bem,
nĂŁo sei qual quisesse mais.

O Sol Ă© Grande

O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazĂŁo, que sĂłi ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono nĂŁo, mas de cuidados graves.

Ă“ cousas, todas vĂŁs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.

Tudo Ă© seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m’eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto Ă© sem cura!

Antre Tremor e Desejo

Antre tremor e desejo,
Vã espernça e vã dor,
Antre amor e desamor,
Meu triste coração vejo.

Nestes extremos cativo
Ando sem fazer mudança,
E já vivi d’esperança
E agora vivo de choro vivo.
Contra mi mesmo pelejo,
Vem d’ua dor outra dor
E d’um desejo maior
Nasce outro mor desejo.

Ă“ Meus Castelos de Vento

Ă“ meus castelos de vento
que em tal cuita me pusestes,
como me vos desfizestes!

Armei castelos erguidos,
esteve a fortuna queda,
e disse:– Gostos perdidos,
como is a dar tĂŁo grĂŁ queda!
Mas, oh! fraco entendimento!
em que parte vos pusestes
que entĂŁo me nĂŁo socorrestes?

CaĂ­stes-me tĂŁo asinha
caíram as esperanças;
isto não foram mudanças,
mas foram a morte minha.
Castelos sem fundamento,
quanto que me prometestes.
quanto que me falecestes!

Comigo me Desavim

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
NĂŁo posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse:
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vĂŁo trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?