Poemas sobre SilĂȘncio de CecĂ­lia Meireles

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Poemas de silĂȘncio de CecĂ­lia Meireles. Leia este e outros poemas de CecĂ­lia Meireles em Poetris.

NĂŁo te Fies do Tempo nem da Eternidade

NĂŁo te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhĂŁ morro e nĂŁo te vejo!

NĂŁo demores tĂŁo longe, em lugar tĂŁo secreto,
nĂĄcar de silĂȘncio que o mar comprime,
Ăł lĂĄbio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhĂŁ morro e nĂŁo te escuto!

Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anĂȘmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo…
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhĂŁ morro e nĂŁo te digo…

Pergunto-te Onde se Acha a Minha Vida

Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuĂ­da.

VĂŁo-se as minhas perguntas aos depĂłsitos do nada.

E a quem Ă© que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditårias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Jå não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silĂȘncio da coisa irrespondida.

Personagem

Teu nome Ă© quase indiferente
e nem teu rosto jĂĄ me inquieta.
A arte de amar Ă© exactamente
a de se ser poeta.

Para pensar em ti, me basta
o prĂłprio amor que por ti sinto:
Ă©s a ideia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.

O lugar da tua presença
Ă© um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto Ă© que pensa
o olhar de todas as saudades.

Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silĂȘncio, obscuro, disperso.

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existĂȘncia,
tudo – o espaço evita e consome:
e eu sĂł conheço a tua ausĂȘncia.

Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.

SugestĂŁo

Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercĂ­cio desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados jĂĄ frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silĂȘncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual Ă  pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E Ă  nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em mĂșsica,
ao camelo que mastiga sua longa solidĂŁo,
ao pĂĄssaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocĂȘncia para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

NĂŁo como o resto dos homens.