Poemas sobre Tristes de CecĂ­lia Meireles

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Poemas de tristes de CecĂ­lia Meireles. Leia este e outros poemas de CecĂ­lia Meireles em Poetris.

Como se Morre de Velhice

Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
nĂŁo tem eco, na ausĂȘncia imensa.

Na ausĂȘncia, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estĂ­mulo ou recompensa
onde o amor equivale Ă  ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(JĂĄ nĂŁo se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)

EpitĂĄfio

Ainda correm lĂĄgrimas pelos
teus grisalhos, tristes cabelos,
na terra vĂŁ desintegrados,
em pequenas flores tornados.

Todos os dias estĂĄs viva,
na soledade pensativa,
Ăł simples alma grave e pura,
livre de qualquer sepultura!

E nĂŁo sou mais do que a menina
que a tua antiga sorte ensina.
E caminhamos de mĂŁo dada
pelas praias da madrugada.

Personagem

Teu nome Ă© quase indiferente
e nem teu rosto jĂĄ me inquieta.
A arte de amar Ă© exactamente
a de se ser poeta.

Para pensar em ti, me basta
o prĂłprio amor que por ti sinto:
Ă©s a ideia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.

O lugar da tua presença
Ă© um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto Ă© que pensa
o olhar de todas as saudades.

Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silĂȘncio, obscuro, disperso.

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existĂȘncia,
tudo – o espaço evita e consome:
e eu sĂł conheço a tua ausĂȘncia.

Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.

Criança

Cabecinha boa de menino triste,
de menino triste que sofre sozinho,
que sozinho sofre, — e resiste,

Cabecinha boa de menino ausente,
que de sofrer tanto se fez pensativo,
e nĂŁo sabe mais o que sente…

Cabecinha boa de menino mudo
que nĂŁo teve nada, que nĂŁo pediu nada,
pelo medo de perder tudo.

Cabecinha boa de menino santo
que do alto se inclina sobre a ĂĄgua do mundo
para mirar seu desencanto.

Para ver passar numa onda lenta e fria
a estrela perdida da felicidade
que soube que nĂŁo possuiria.

Os Homens Gloriosos

Sentei-me sem perguntas Ă  beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mĂŁos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.

Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relĂąmpagos,
ah, sem relĂąmpagos…
pegajosas de lodo e sangue denso.

Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!

Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!

Antes o murmĂșrio da dor, esse murmĂșrio triste e simples
de lĂĄgrima interminĂĄvel, com sua centelha ardente e eterna.

Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicĂĄvel,
em pedra sem respiração.

Quebra-me no giro dos ventos e das ĂĄguas!
Reduze-me ao pĂł que fui!
Reduze a pĂł minha memĂłria!

Reduze a pĂł
a memĂłria dos homens,

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