Porque Ă© TĂŁo Ansiosamente que Espero por Ti?
Porque Ă© tĂŁo ansiosamente que espero por ti?
Sabias ocultar entre os teus menores movimentos
a lembrança de um corpo e de um ardor sem música
nem esquecimento possĂvel. Quantas cidades
atravessámos, quantos «grandes são os desertos e tudo é deserto»,
quanto alimento para os cĂŁes da memĂłria! Deixa-os,
consente o esquecimento, solta com raiva das tuas veias
a música, regressa ao lugar donde partiste. Peço-te,
regressa. NĂłs nunca acordamos conformes,
nenhuma cifra nos devolverá o número mágico,
vestimo-nos sem convicção e pedimos emprestadas
fĂłrmulas antigas. Da nossa idade
guardámos alguns emblemas, alguns maneirismos.
Acredita-me: Ă© o momento de nos abandonarmos
à necessidade, de açularmos os cães, de sermos nós mesmos
um inquietante rosnido entre as frestas do muro.
Regressemos, nĂŁo há ĂŤtaca possĂvel, os corpos desfizemo-los
na mesma erosão do seu mágico movimento.
Porque Ă© tĂŁo ansiosamente que espero por ti
se nenhuma luz mais cabe no terror de mim?
Poemas sobre Terror de LuĂs Filipe Castro Mendes
3 resultadosEu Digo do Amor nĂŁo Mais que a Sombra
Eu digo do amor nĂŁo mais que a sombra.
Agora o quarto oferece toda a inclinação da luz
aos dedos que tremem sĂł de aflorar
o que da carne Ă© já incorruptĂvel saber
e crispação sem causa natural.
SĂŁo nossas inimigas as cortinas
amplas do verĂŁo, os fumos e vapores
que esta terra nos devolve, a fria
repercussĂŁo do espĂrito que treme
sobre um tĂŁo ausente e despossuĂdo mundo.
Disse-te que voltasses devagar os teus olhos
para o mecanismo simples da erosĂŁo.
Eu parti há muito e neste quarto
apenas aguardo o relâmpago surdo do teu corpo,
a contenção muda e não menos esplendorosa
da carne recordada e pressentida.
No entanto, deixámos escurecer
excessivamente o mundo. Ele acolhe-se
a nĂłs, com terror e evidĂŞncia,
e nĂłs, em verdade, que podemos dizer?
Eu digo do amor nĂŁo mais que a sombra,
mas o teu rosto e a luz nada pode conter.
Sonho
Numa casa de vidro te sonhei.
Numa casa de vidro me esperavas.
Num poço ou num cristal me debrucei.
Só no teu rosto a morte me alcançava.De quem a morte, por terror de mim?
De quem o infinito que faltava?
Numa casa de vidro vi meu fim.
Numa casa de vidro me esperavas.Numa casa de vidro as persianas
desciam lentamente e em seu lugar
a noite abria o escuro das entranhas
e o teu rosto morria devagar.Numa casa de vidro te sonhei.
Numa casa de vidro me esperavas.
Fiz do teu corpo sonho e nĂŁo olhei
nas palavras a morte que guardavas.Descemos devagar as persianas,
deixámos que o amor nos corroesse
o Ăntimo da casa e as estranhas
cerimĂłnias do dia que adoece.Numa casa de vidro. Num espelho.
Na memĂłria, por vezes amargura,
por vezes riso falso de tĂŁo velho,
cantar da sombra sobre a selva escura.Numa casa de vidro te sonhei.
No vazio dessa casa me esperavas.