Poemas sobre Testamento

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Poemas de testamento escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Carta Ă  Minha Filha

Lembras-te de dizer que a vida era uma fila?
Eras pequena e o cabelo mais claro,
mas os olhos iguais. Na metáfora dada
pela infância, perguntavas do espanto
da morte e do nascer, e de quem se seguia
e porque se seguia, ou da total ausĂŞncia
de razĂŁo nessa cadeia em sonho de novelo.

Hoje, nesta noite tĂŁo quente rompendo-se
de junho, o teu cabelo claro mais escuro,
queria contar-te que a vida é também isso:
uma fila no espaço, uma fila no tempo
e que o teu tempo ao meu se seguirá.

Num estilo que gostava, esse de um homem
que um dia lembrou Goya numa carta a seus
filhos, queria dizer-te que a vida é também
isto: uma espingarda Ă s vezes carregada
(como dizia uma mulher sozinha, mas grande
de jardim). Mostrar-te leite-creme, deixar-te
testamentos, falar-te de tigelas – Ă© sempre
olhar-te amor. Mas é também desordenar-te à
vida, entrincheirar-te, e a mim, em fila descontĂ­nua
de mentiras, em carinho de verso.

E o que queria dizer-te Ă© dos nexos da vida,
de quem a habita para além do ar.

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NĂŁo Receeis Fazer Bem

Senhoras nĂŁo hajais medo
nĂŁo receeis fazer bem
tende o coração mui quedo
e vossas mercĂŞs verĂŁo cedo
quĂŁo grandes bens do bem vem.
NĂŁo torvem vosso sentido
as cousas qu’haveis ouvido
porqu’Ă© lei de deos d’amor
bem, vertude nem primor
nunca jamais ser perdido.

Por verdes o galardĂŁo
que do amor recebeu
porque por ele morreu
nestas trovas saberĂŁo
o que ganhou ou perdeu.
NĂŁo perdeu senĂŁo a vida
que pudera ser perdida
sem na ninguém conhecer
e ganhou por bem querer
ser sua morte tĂŁo sentida.

Ganhou mais que sendo dantes
nom mais que fermosa dama
serem seus filhos ifantes
seus amores abastantes
de deixarem tanta fama.
Outra mor honra direi:
como o prĂ­ncepe foi rei
sem tardar mas mui asinha
a fez alçar por rainha
sendo morta o fez por lei.

Os principais reis d’Espanha
de Portugal e Castela
e emperador d’Alemanha
olhai que honra tamanha
que todos decendem dela.
Rei de Nápoles também
duque de Bregonha a quem
todo França medo havia
e em campo el rei vencia
todos estes dela vem.

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Ă€ Braseira

Saio da tua casa. Escorrega,
do codo, a rua. Alcanço a porta amiga
de teu Tio, que espera a suecada.
Ah! que rica braseira! Levas, pronto,
uma chita, ou lavagem, ou lambida,
ou rapada. Um jagodes, na Emissora,
alude a um trintanário de missas
que impĂ´s um qualquer coiso em testamento.
Eu barafusto. Rica bacorada!
Que viva a bela pândega dos burros!
A braseira consola. Cai folheca
lá fora. Os vidros suam, lagrimejam.
Apanhas, de seguida, trĂŞs capotes.

O Homem que Contempla

Vejo que as tempestades vĂŞm aĂ­
pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos,
batem nas minhas janelas assustadas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que nĂŁo sei suportar sem um amigo,
que nĂŁo posso amar sem uma irmĂŁ.

E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.

Que pequeno Ă© aquilo contra que lutamos,
como Ă© imenso, o que contra nĂłs luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegarĂ­amos longe e serĂ­amos anĂłnimos.

Triunfamos sobre o que Ă© Pequeno
e o prĂłprio ĂŞxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serĂŁo derrotados por nĂłs.
Este Ă© o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
sentia-os ele debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.

Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou Ă  luta.

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Nossa MemĂłria

Nossa memĂłria sempre foi a memĂłria
dos monstros nosso enigmático testamento
de altas labaredas sempre foi
o caminho
devastado pelo sangue pela circuncisa memĂłria
dos mortos pelo perfil
dos astros — nossa colorida volúpia
sempre foi dos monstros
a mais crua linguagem hĂşmida fuga
desolada
através do tempo através do medo
de nĂŁo sermos belos de nĂŁo sabermos
esculpir na cinza o sopro
de tanta luz tão prostituída —