A sabedoria humana. Uma gota de água no oceano da sabedoria universal.
Passagens de Casimiro de Brito
81 resultadosO amor? Sabemos de ciência tão certa (esse instinto) que vai morrer que levamos a vida inteira a polir a pedra da sua memória.
A suprema condenação não é a morte, símbolo e princípio da errância infinita, mas a sua impossibilidade.
O amor é quase impossível. Terá de ser límpido, fecundo e desinteressado. De ambos os lados.
Quem sabe amanhã o que foi hoje, hoje o que será amanhã? Espuma à tona de água.
Dizem uns que perderam o mundo, outros que nele se perderam, como se alguém alguma vez tivesse agarrado o fio desta meada.
Vocação masoquista da natureza: consentiu que o vírus humano a invadisse e sobrevivesse.
O homem. Um louco desfeito pelo brinquedo que ele inventou: a História.
Olhasses tu o mundo na perspectiva da rã ou da relva e serias tão humilde e discreto como elas.
O belo? Início do terrível.
Do Amor e da Morte
Temos lábios tenros para o amor
dentes afiados para a morteConcebemos filhos para o amor
para a guerra os mandamos para a morteLevantamos casas para o amor
cidades bombardeamos para a mortePlantamos a seara para o amor
racionamos o trigo para a morteFlorimos atalhos para o amor
rasgamos fronteiras para a morteEscrevemos poemas para o amor
lavramos escrituras para a morteO amor e a morte
somos
Adormecem os que triunfam. Adormecem ou são aniquilados pela bárbara irrupção dos que na sombra encarnam o vigor nascente e necessário para que o espírito do mundo se cumpra.
Não é o silêncio quando silenciamos com esse que amamos.
A beleza mais discreta não responde nem interroga.
Peço a Paz
Peço a paz
e o silêncioA paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao ventoPeço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pãoPeço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morteA paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e solPeço a paz e o
silêncio
O silêncio, o que é o silêncio? perguntei ao mestre. – Uma floresta cheia de ruído.
Tempo Revisitado
O tempo a que sempre regressamos
e nos visita um instanteO tempo que depois destruímos
construímos e ali-
mentamos se nos
alimentaO tempo onde a luz buscamos e
a morte sempre
encontramos
Neste mundo há apenas um habitante. Um habitante solitário que, sem nada possuir, é presenteado com todos os nomes.
Da Violência
A violência que trazemos no sangue
ninguém a sabe e todos (casas
desmoronadas) a exaltam e todos
a descombinamos
gota a gota
em nossos movimentos de cinza
transitória — esta violência
residual
tem do corpo a secura a configuração
cavada no sono na fogueira sem cor
de cidades levantadas sobre a doença sobre
a simulação
de fogo suspenso
no arame dos ossos —
A verdade não existe. Apenas se transmite o erro, a errância do movimento.