Poemas sobre Vazio de Fernando Pessoa

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Poemas de vazio de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Começa a Ir Ser Dia

Começa a ir ser dia,
O céu negro começa,
Numa menor negrura
Da sua noite escura,
A Ter uma cor fria
Onde a negrura cessa.

Um negro azul-cinzento
Emerge vagamente
De onde o oriente dorme
Seu tardo sono informe,
E hĂĄ um frio sem vento
Que se ouve e mal se sente.

Mas eu, o mal-dormido,
NĂŁo sinto noite ou frio,
Nem sinto vir o dia
Da solidĂŁo vazia.
SĂł sinto o indefinido
Do coração vazio.

Em vĂŁo o dia chega
Quem nĂŁo dorme, a quem
NĂŁo tem que ter razĂŁo
Dentro do coração,
Que quando vive nega
E quando ama nĂŁo tem.

Em vão, em vão, e o céu
Azula-se de verde
Acinzentadamente.
Que Ă© isto que a minha alma sente?
Nem isto, nĂŁo, nem eu,
Na noite que se perde.

Entre o Luar e a Folhagem

Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.

TĂȘnue lembrança ou saudade,
PrincĂ­pio ou fim do que nĂŁo foi,
NĂŁo tem lugar, nĂŁo tem verdade.
Atrai e dĂłi.

Segue-o meu ser em liberdade.

Vazio encanto Ă©brio de si,
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?
Nada Ă© nem faz.
SĂł de segui-lo me perdi.

O Andaime

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi sĂł a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui Ă  beira do rio
Sossego sem ter razĂŁo.
Este seu correr vazio
Figura, anĂŽnimo e frio,
A vida vivida em vĂŁo.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tĂŁo leves
Que nĂŁo sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que nĂŁo tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusĂŁo, que me mantinha,
SĂł no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das ĂĄguas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava jĂĄ perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

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Elas SĂŁo Vaporosas

Elas sĂŁo vaporosas,
PĂĄlidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar…

VĂȘm, aĂ©reas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos…
Chora no som dos repuxos
O ritmo que hĂĄ nos seus vultos…

Passam e agitam a brisa…
PĂĄlida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em aurĂ©ola Ă  hora…

Passam nos ritmos da sombra…
Ora Ă© uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene…

E assim vĂŁo indo, delindo
Seu perfil Ășnico e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lĂ­vido e frio…

Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longĂ­nquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
PĂĄlido pĂĄlio lunar …