Jornais e Jornalistas
Os jornais são o ponteiro dos segundos no relógio da história. Na maioria das vezes, porém, além de ser fabricado com metais menos nobres do que o dos outros dois ponteiros, raramente funciona de modo correcto.
Uma grande quantidade de maus escritores vive unicamente da estultice do público, que só quer ler o que foi impresso no mesmo dia: os jornalistas. A sua designação vem mesmo a calhar, no entanto deveriam chamar-se ‘diaristas’. O exagero de toda a espécie é para eles tão essencial quanto para a arte dramática: com efeito, trata-se de extrair o máximo possível de todo o incidente. Devido à profissão, todos os jornalistas são também alarmistas: este é o seu modo de se tornarem interessantes. No entanto, mediante tal expediente acabam por se igualar aos cãezinhos que, tão logo percebem algum movimento, põem-se a latir fortemente. Sendo assim, é preciso dar aos seus sinais de alerta apenas a atenção necessária para não prejudicar a própria digestão.
Passagens sobre Relógios
105 resultadosElegia dos Amantes Lúcidos
Na girândola das árvores (e não há quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destinoE não houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade não estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insectoMeu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausência de deus pastando um mongeAh, se uma súbita mão na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!Mas só porque vieste fez-se tarde,
Ou é a vida que nasce já tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque não cabe na rapidez do dia?
Não Há Tempo
Não há tempo
há horas
Não há um relógio
há
hábitos que
me habitamO poema dói
o ponteiro corta
a hora que queima
a morte simularespira
para não me distrair
Pedra Tumular
A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz não tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
Tão rígida e tão fria como a pedra.Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inútil por vazia,
E a língua imóvel nega o som à vida,
Por hábito ou por falta de coragem.Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um túmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.
Amor e Seu Tempo
Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.É isto, amor: o ganho não previsto,
o prémio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe.valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.