Sonetos sobre Alma de Augusto dos Anjos

44 resultados
Sonetos de alma de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

Apostrofe À Carne

Quando eu pego nas carnes do meu rosto.
Pressinto o fim da orgĂąnica batalha:
– Olhos que o hĂșmus necrĂłfago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…

E o Homem – negro e heterĂłclito composto,
Onde a alva flama psĂ­quica trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!

Carne, feixe de mĂŽnadas bastardas,
Conquanto em flĂąmeo fogo efĂȘmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos,

DĂłi-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

GĂȘnio Das Trevas LĂșgubres, Acolhe-me

GĂȘnio das trevas lĂșgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!

Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e Ă  ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tĂȘnebras recolhe-me!

Aqui hĂĄ muita luz e muita aurora,
HĂĄ perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,

E as trevas moram, e, onde d’ĂĄgua raso
O olhar nĂŁo trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que Ă© o meu ocaso!

PlenilĂșnio

Desmaia o plenilĂșnio. A gaze pĂĄlida
Que lhe serve de alvĂ­ssimo sudĂĄrio
Respira essĂȘncias raras, toda a cĂĄlida
MĂ­stica essĂȘncia desse alampadĂĄrio.

E a lua Ă© como um pĂĄlido sacrĂĄrio,
Onde as almas das virgens em crisĂĄlida
De seios alvos e de fronte pĂĄlida,
Derramam a urna dum perfume vĂĄrio.

Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctĂąmbula do Amor,
Eu, noctĂąmbulo da Dor e da Saudade.

Ah! como a branca e merencĂłrea lua,
TambĂ©m envolta num sudĂĄrio – a Dor,
Minh’alma triste pelos cĂ©us flutua!

O Morcego

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vĂȘde:
Na bruta ardĂȘncia orgĂąnica da sede,
Morde-me a goela Ă­gneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocĂĄ-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tĂŁo feio parto?!

A ConsciĂȘncia Humana Ă© este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!