Sonetos sobre Alma de Auta de Souza

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No Jardim Das Oliveiras

“Minh’alma Ă© triste atĂ© Ă  morte…” Doce,
Jesus falou… E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.

Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.

“Pai, tem piedade…” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.

Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!

Mistério

Ă€ memĂłria do pequeno Alberto.

Sei que tu’alma carinhosa e mansa
Voou, sorrindo, para o Azul celeste;
Sei que teu corpo virginal descansa
Aqui da terra n’um cantinho agreste.

Tudo isto sei: mas tu nĂŁo me disseste
Se lá no Céu, na pátria da Esperança,
Ou aqui no mundo, Ă  sombra do cipreste,
Deixaste o coração, loura criança!

Desceu acaso com o corpo Ă  terra
Ele tĂŁo puro e que sĂł luz encerra?
NĂŁo creio n’isso e ninguĂ©m crĂŞ de certo…

Entanto, eu cismo que, num vale ameno,
Talvez o seio de um jasmim pequeno
Sirva de berço ao coração de Alberto.

A Minha AvĂł

Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias…
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.

Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias…
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!

Minh’alma vai cantar… Transforma o seio
N’um cofre santo de carĂ­cias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro… –

Eu quero vĂŞ-lo, em desejada calma,
No rico santuário de tu’alma…
– HĂłstia guardada n’um cibĂłrio de ouro! –

Num Leque

Na gaze loura d’este leque adeja
NĂŁo sei que aroma mĂ­stico e encantado…
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado!

Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado…
AtĂ© minh’alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.

E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,

SĂł me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!

Obrigada!

A Nininha Andrade

… E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho…
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!

Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tĂŁo pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!

Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as níveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo vĂ©u…

Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!

Regina Martyrum

Lírio do Céu, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;

Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!

Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sĂłs, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –

SĂŞ tu a mĂŁo que me conduza ao porto…
Ă“ doce mĂŁe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!

Renascimento

A Olegária Siqueira

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lĂşcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
NĂŁo venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando Ă  vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como Ă© suave a voz dos passarinhos
Neste tranqüilo e plácido deserto!

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!

Never More – II

Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso Ă  hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!

Talvez assim o fĂşnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.

Talvez o riso me voltasse Ă  boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca…

E, entĂŁo, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem…
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!

Lágrimas

A meu irmão João Câncio

Eu nĂŁo sei o que tenho… Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.
Minh’alma triste na agonia presa,
NĂŁo compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu nĂŁo sei o que tenho… Esse martĂ­rio,
Essa saudade roxa como um lĂ­rio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do Ăşltimo adeus de um coração que morre…

Tudo O Que É Puro, Santo E Resplendente

Tudo o que Ă© puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;

Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidĂŁo sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;

Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;

Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
– Deus encerrou nos olhos das crianças!

Ă€ MemĂłria De Uma Ave

Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.

Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.

Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avesinha querida
Se extingue como um clarĂŁo.

Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.

Never More

A uma falsa amiga

I

NĂŁo te perdĂ´o, nĂŁo, meu tristes olhos
NĂŁo mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.

Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como n’um ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.

NĂŁo te perdĂ´o, nĂŁo! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delĂ­cias raras,
Quando eu passar Ă  hora do Sol posto:

NĂŁo rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me sĂł neste deserto imenso…
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!

Ă€ Alma De Minha MĂŁe

Partiu-se o fio branco e delicado
Dos sonhos de minh’alma desditosa…
E as contas do rosário assim quebrado
CaĂ­ram como folhas de uma rosa.

Debalde eu as procuro lacrimosa,
Estas doces relĂ­quias do Passado,
Para guardá-las na urna perfumosa,
Do meu seio no cofre imaculado.

AĂ­! se eu ao menos uma sĂł pudesse
D’estas contas achar que me fizesse
Lembrar um mundo de alegrias doidas…

Feliz seria… Mas minh’alma atenta
Em vĂŁo procura uma continha benta:
Quando partiste m’as levaste todas!

Hoje

Fiz anos hoje… Quero ver agora
Se este sofrer que me atormenta tanto
Me nĂŁo deixa lembrar a paz, o encanto,
A doce luz de meu viver de outr’ora.

Tão moça e mártir! Não conheço aurora,
Foge-me a vida no correr do pranto,
Bem como a nota de choroso canto
Que a noite leva pelo espaço em fora.

Minh’alma voa aos sonhos do passado,
Em busca sempre d’esse ninho amado
Onde pousava cheia de alegria.

Mas, de repente, num pavor de morte,
Sente cortar-lhe o vĂ´o a mĂŁo da sorte…
Minha ventura sĂł durou um dia.

Ao PĂ© Do TĂşmulo

Aos meus

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vĂłs… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ă“ almas de minh’alma abençoadas.

Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que nĂŁo tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no cĂ©u repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.

Noites Amadas

Ă“ noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ă“ noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

VĂłs sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua…

Ă“ noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

Eterna Dor

Alma de meu amor, lĂ­rio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.

Ă“ minha mĂŁe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do Céu não têm espinhos,
Quero ir contigo, Ăł lĂ­rio meu celeste!

Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me Ă  terra onde nĂŁo corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe…

Aqui na vida – que tamanha mágoa! –
O prĂłprio olhar de Deus encheu-se d’água…
Ă“ minha mĂŁe, como este mundo Ă© triste!

Página Triste

Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mĂŁe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!

Alma inocente sĂł de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
Também, oh Dor, tu queiras, desolada,

Erguer um trono, procurar guarida…
Foge do berço! Não magoes a vida
D’esta ave implume, lirial botĂŁo…

Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!

SĂşplica

Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tĂŁo pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demĂŞncia feliz de pobres loucos…

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que nĂŁo morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?

Clarisse

“NĂŁo sei o que Ă© tristeza,” ela me disse…
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do Céu caísse!

E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possĂ­vel que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?

Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!

E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!