Sonetos sobre Alma de Luís de Camões

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Com Grandes Esperanças Já Cantei

Com grandes esperanças já cantei,
com que os deuses no Olimpo conquistara;
despois vim a chorar porque cantara
e agora choro já porque chorei.

Se cuido nas passadas que já dei,
custa me esta lembrança só tão cara
que a dor de ver as mágoas que passara
tenho pola mor mágoa que passei.

Pois logo, se está claro que um tormento
dá causa que outro n’alma se acrescente,
já nunca posso ter contentamento.

Mas esta fantasia se me mente?
Oh! ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente?

Julga-Me A Gente Toda Por Perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
vendo-me, tĂŁo entregue a meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado,
e dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
e quase que sobre ele ando dobrado,
tenho por baixo, rĂşstico, enganado,
quem nĂŁo Ă© com meu mal engrandecido.

VĂŁo revolvendo a terra, o mar e o vento,
busquem riquezas, honras a outra gente,
vencendo ferro, fogo, frio e calma;

que eu sĂł em humilde estado me contento,
de trazer esculpido eternamente
vosso fermoso gesto dentro n’alma.

Alma Minha Gentil, que te Partiste

Alma minha gentil, que te partiste
TĂŁo cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
MemĂłria desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
QuĂŁo cedo de meus olhos te levou.

Como Quando Do Mar Tempestuoso

Como quando do mar tempestuoso
o marinheiro, lasso e trabalhado,
d’um naufrágio cruel já salvo a nado,
sĂł ouvir falar nele o faz medroso;

e jura que em que veja bonançoso
o violento mar, e sossegado
não entre nele mais, mas vai, forçado
pelo muito interesse cobiçoso;

Assi, Senhora eu, que da tormenta,
de vossa vista fujo, por salvar me,
jurando de nĂŁo mais em outra ver me;

minh’alma que de vĂłs nunca se ausenta,
dá me por preço ver vos, faz tornar me
donde fugi tĂŁo perto de perder me.

Dai Me Ăśa Lei, Senhora, De Querer Vos

Dai me ĂĽa lei, Senhora, de querer vos,
que a guarde, sĂ´ pena de enojar vos;
que a fé que me obriga a tanto amar vos
fará que fique em lei de obedecer vos.

Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver vos,
e dentro na minh’alma contemplar vos;
que, se assi nĂŁo chegar a contentar vos,
ao menos que nĂŁo chegue [a] aborrecer vos.

E, se essa condição cruel e esquiva,
que me dois lei de vida nĂŁo consente,
dai ma, Senhora, já, seja de morte.

Se nem essa me dais, Ă© bem que viva,
sem saber como vivo, tristemente,
mas contente porém de minha sorte.

Jurando de nĂŁo Mais em Outra Ver-me

Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De um naufrágio cruel saindo a nado,
Só de ouvir falar nele está medroso;

Firme jura que o vê-lo bonançoso
Do seu lar o nĂŁo tire sossegado;
Mas esquecido já do horror passado,
Dele a fiar se torna cobiçoso;

Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de nĂŁo mais em outra ver-me;

Com a alma que de vĂłs nunca se ausenta,
Me torno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tĂŁo perto de perder-me.

Quis Deixar-me a que Eu Adoro

Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memĂłria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.

Por Ĺ©a praia do ĂŤndico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas águas alongava,
Que pouco se doĂ­am de seu dano.

Pois com tamanha mágoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.

Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
Levai também as lágrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.

Julga-me a gente toda por perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tĂŁo entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rĂşstico, enganado
Quem nĂŁo Ă© com meu mal engrandecido.

Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;

Que eu sĂł em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.

Sustenta Meu Viver Üa Esperança

Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tĂŁo desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.

E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.

Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
üa nova matéria a meu cuidado .

Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.

Indo O Triste Pastor Todo Embebido

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂ­do:

-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂŞs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

Se tanta pena tenho merecida

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vosso olhos quais serĂŁo?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.

Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

A FĂ© que me Obriga a Tanto Amar-vos

Dai-me Ĺ©a lei, Senhora, de querer-vos,
Porque a guarde sob pena de enojar-vos;
Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos
Fará que fique em lei de obedecer-vos.

Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver-vos
E dentro na minha alma contemplar-vos;
Que se assim nĂŁo chegar a contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.

E se essa condição cruel e esquiva
Que me deis lei de vida nĂŁo consente,
Dai-ma, Senhora, já, seja de morte.

Se nem essa me dais, Ă© bem que viva,
Sem saber como vivo, tristemente;
Mas contente estarei com minha sorte.

Vossos Olhos, Senhora, Que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
co Sol em fermosura e claridade,
enchem os meus de tal suavidade
que em lágrimas, de vê-los, se derretem.

Meus sentidos vencidos se sometem
assi cegos a tanta majestade;
e da triste prisĂŁo, da escuridade,
cheios de medo, por fugir remetem.

Mas se nisto me vedes por acerto,
o áspero desprezo com que olhais
torna a espertar a alma enfraquecida.

Ă“ gentil cura e estranho desconcerto!
Que fará o favor que vós não dais,
quando o vosso desprezo torna a vida?

Tempo É Já Que Minha Confiança

Tempo é já que minha confiança
se desça de üa falsa opinião;
mas Amor nĂŁo se rege por razĂŁo;
não posso perder, logo, a esperança.

A vida, si; que üa áspera mudança
não deixa viver tanto um coração.
E eu na morte tenho a salvação?
Si, mas quem a deseja não a alcança.

Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah! dura lei de Amor, que nĂŁo consente
quietação nüa alma que é cativa!

Se hei de viver, enfim, forçadamente,
para que quero a glĂłria fugitiva
de üa esperança vã que me atormente?

Quanto Mais vos pago, Mais vos Devo

Quem vĂŞ, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se nĂŁo perder a vista sĂł com vĂŞ-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecĂŞ-los,
Dei mais a vida e alma por querĂŞ-los;
Donde já me não fica mais de resto.

Assim que Alma, que vida, que esperança,
E que quanto for meu, Ă© tudo vosso:
Mas de tudo o interesse eu sĂł o levo.

Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho, e quanto posso,
Que quanto mais vos pago, mais vos devo.

Lágrimas de Honesta Piedade e Imortal Contentamento

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faĂ­scas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas a alva neve.

A vista, que em si mesma nĂŁo se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que Ă© verdade.

Olhai como Amor gera, em um momento,
De lágrimas de honesta piedade
Lágrimas de imortal contentamento.

Se pena por amar-vos se merece

Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre está? ou quem isento?
Que alma, que razĂŁo, que entendimento
Em ver-vos se nĂŁo rende e obedece?

Que mor glĂłria na vida se oferece
Que ocupar-se em vĂłs o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento
Em ver-vos se nĂŁo sente, mas esquece.

Mas se merece pena quem amando
Contínuo vos está, se vos ofende,
O mundo matareis, que todo Ă© vosso.

Em mim, Senhora, podeis ir começando,
Que claro se conhece e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.

O Raio Cristalino S’estendia

O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.

Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lágrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no CĂ©u, assi dezia:

-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;

que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tĂŁo triste nenhĂĽa outra pastora.

Não Pode Tirar-me as Esperanças

Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas conquanto nĂŁo pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e nĂŁo se vĂŞ.

Que dias há que na alma me tem posto
Um nĂŁo sei quĂŞ, que nasce nĂŁo sei onde;
Vem nĂŁo sei como; e dĂłi nĂŁo sei porquĂŞ.

Qual tem a borboleta por costume

Qual tem a borboleta por costume,
Que, enlevada na luz da acesa vela,
Dando vai voltas mil, até que nela
Se queima agora, agore se consume,

Tal eu correndo vou ao vivo lume
Desses olhos gentis, AĂłnia bela;
E abraso-me por mais que com cautela
Livrar-me a parte racional presume.

Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente;

Porém, não quer Amor que lhe resista,
Nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
Qual em glória maior, está contente.