Sonetos sobre Alma de Vicente de Carvalho

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Sonetos de alma de Vicente de Carvalho. Leia este e outros sonetos de Vicente de Carvalho em Poetris.

Velho Tema III

Belas, airosas, pĂĄlidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
SĂŁo rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidĂŁo de almas cativas.

Tem a alvura do mĂĄrmore; lascivas
Formas; os lĂĄbios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, pĂĄlidas, altivas…

Por quĂȘ? Porque lhes falta a todas elas,
Mesmo Ă s que sĂŁo mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:

Falta-lhes a paixĂŁo que em mim te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher armada.

Dona Flor

Ela Ă© tĂŁo meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepĂșsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca Ășmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que Ă© primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, lĂ­mpido, radiante…
Mas, ai! sob ĂȘsse angĂ©lico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
– Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…

Velho Tema II

Eu cantarei de amor tĂŁo fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
– NĂŁo andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como Ă©: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do te beijo.

Spleen

Fora, na vasta noute, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fĂșria;
E num rumor de choro, uma voz de lamĂșria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.

No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
SolidĂŁo numa sombra infinita e constante…

Tu, que Ă©s forte, rebrame em fĂșria, natureza!
Eu, caĂ­do num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansĂŁo livre do temporal;

E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n’alma instintos de chacal…
E compreendo Nero incendiando Roma.

Velho Tema I

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem Ă© mais a existĂȘncia, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que nĂŁo chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque estĂĄ sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nĂłs estamos.

Velho Tema V

“Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e Ă© meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

SĂȘ sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito.”

Assim penso, assim quero, assim me engano…
Como se nĂŁo sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.