Sonetos sobre Amor de Vasco Mouzinho de Quebedo

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Sonetos de amor de Vasco Mouzinho de Quebedo. Leia este e outros sonetos de Vasco Mouzinho de Quebedo em Poetris.

Soneto XXXXVI

Tanto que sente enfraquecer o alento,
Quebrado o brio e jĂĄ menos ligeira
Co’ a longa idade e vida derradeira,
[A] Águia a presa siguir cortar o vento.

Levanta o mais que pode o vĂŽo isento
E, firida do Sol desta maneira
Då no mar, recobrando a força inteira
E, com novo vigor, novo ornamento.

Quem nĂŁo vĂȘ figurada a grande glĂłria
De ua alma, cuja vida mal gastada
Com nova penitĂȘncia se melhora.

Ao alto se levanta co’a memĂłria,
E no divino amor toda abrasada
Cai no mar das lĂĄgrimas que chora.

Soneto XXXV

Eclipsou-se teu Sol quando nascia,
Em flor cortada foi tua doce vida,
Antes de ser ganhada, foi perdida,
Deixou seus dias antes de seu dia.

Aparecer entĂŁo nos parecia
Quando a jĂĄ vimos desaparecida,
Enfim, moça fermosa, estås rendida
À lei humana envolta em terra fria.

Ai Amor, quantas vezes te condenas!
Criaste-me nesta alma ua esperança,
Deixas roubar-ma a morte sem valer-me.

Mas bem entendo, Amor, que isto me ordenas
Para vir a saber a quanto alcança,
PerdĂȘ-la, sem perder-te, com perder-me.

Soneto VIII

Da virtude que move os CĂ©us depende
Todo o bem, toda a glĂłria e ser da terra,
E se u’hora faltasse, o vale, a serra,
A flor, o fruito, a fonte, o rio ofende.

Esse braço que amor de longe estende
Para esta alma, meu ser e vida encerra,
E se algu’hora Amor dela o desterra,
Que glĂłria mais que vida ou ser pretende.

Mas nem hĂĄ-de faltar essa virtude
Se nĂŁo c’o mundo, nem faltar-me agora;
Vosso Amor até morte me assigura.

EntĂŁo para que nunca mais se mude,
Se mudarĂĄ, e mudar-se Amor nessa hora,
SerĂĄ para outro Amor que sempre dura.

Soneto XXXX

Num seco ramo, nĂș de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vĂȘ-lo a cada sombra se lhe antolha.

Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque nĂŁo consente
A dor ver ĂĄgua clara, juntamente
A envolve c’os pĂ©s e o bico molha.

Se ausĂȘncia e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausĂȘncia, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,

Que farĂŁo em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a nĂŁo sentir, e acabe.

Soneto X

Quais no soberbo mar Ă  nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebålios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,

Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que nĂŁo tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.

Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no CĂ©u faz ua, e outra estrela.

Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em Ăłdio dela.

Soneto XXV

Do bravo mar onde Ă s voltas ando
Ora temendo as ondas, ora o vento,
Na esperança maior de salvamento,
A minha barca vai Ă  costa dando.

Pus os olhos na costa, imaginando
Achar remanso de pirigo isento,
Vendo, porém, frustrado o pensamento,
Louvo o mar jĂĄ demais seguro e brando.

Ai fementido amor, amor tirano,
Que onde minha esperança tinha posta
Me trouxeste a fazer naufrĂĄgio amargo.

Porém ainda comigo foste humano,
Que mais quero perder-me dando Ă  costa,
Que andar com mil temores em mar largo.

Soneto XXXVI

Aquele que Ă© da BĂ­bora mordido
A todos sua dor e mal encobre,
E sĂł Ă quele o diz e lho descobre,
Que sabe foi também dela firido.

Tal eu que todo o bem tenho perdido
De todo o gosto e de alegria pobre,
De vĂłs a quem a mesma nuve cobre
Quero sĂł que meu mal seja sabido.

Das searas e campo o lavrador,
Das batalhas e trances o soldado,
Ouve pronto do mar quem no mar trata,

O triste a quem alegra seu cuidado,
Qual borboleta, busca sempre a dor,
Morto d’amores sĂł por quem o mata.

Soneto XXVII

Enfim que me cortais o fio leve
Que me tecia em vão minha esperança,
Quanto me prometeu, quão pouco alcança,
De quĂŁo larga me foi quanto hoje Ă© breve,

C’um doce engano um tempo me deteve.
Guardou-me para agora esta mudança,
Mas não me mudarå da segurança
Que meu amor a vossos olhos deve.

Mas ai fermosos olhos que tornastes
Descubrir-me esta noite essa lux vossa,
Qual Lua Ă  nau que lida em bravo pego.

Mas nĂŁo seja essa lux que me mostrastes
SĂł porque ver o meu naufrĂĄgio possa,
Que Ă© menor o pirigo a quem vai cego.