Sonetos sobre CançÔes de Florbela Espanca

5 resultados
Sonetos de cançÔes de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Para QuĂȘ?!

Tudo Ă© vaidade neste mundo vĂŁo…
Tudo Ă© tristeza, tudo Ă© pĂł, Ă© nada!
E mal desponta em nĂłs a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri Ă  gargalhada,
Flor que Ă© nascida e logo desfolhada,
PĂ©talas que se pisam pelo chĂŁo!…

Beijos de amor! Pra quĂȘ?! … Tristes vaidades!
Sonhos que logo sĂŁo realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

SĂł neles acredita quem Ă© louca!
Beijos de amor que vĂŁo de boca em boca,
Como pobres que vĂŁo de porta em porta!…

Espera…

NĂŁo me digas adeus, Ăł sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixĂŁo antiga,
Dos nossos bons e cùndidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantĂĄstica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
NĂŁo vĂĄs ainda embora, Ăł sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que nĂŁo lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lå no fundo!

Espera… espera… Ăł minha sombra amada…
VĂȘ que pra alĂ©m de mim jĂĄ nĂŁo hĂĄ nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…

Para QuĂȘ?

Ao velho amigo JoĂŁo

Para quĂȘ ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angĂșstia estranha

E todo este feitiço e este enredo
Do nosso prĂłprio peito? E Ă© tamanha
E tĂŁo profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?

Pra que ser asa quando a gente voa,
De que serve ser cĂąntico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?

Para quĂȘ ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vĂŁo nas sĂ­labas dum verso?

De Joelhos

“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer …
Bendita seja a Lua, que inundou
De luz, a Terra, sĂł para te ver …

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixĂŁo fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!

Mistério

Gosto de ti, Ăł chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pĂĄlidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca nĂŁo aprende
MurmĂșrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lĂșgubre arrepio
Das sensaçÔes estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistĂ©rio…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome Ă s rosas!