Tédio
Passo pålida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela Ă©! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
NĂŁo tenho um gesto, ou um olhar sequer…Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que Ă© que isso me faz? O que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!O que é que me importa?! Essa tristeza
Ă menos dor intensa que frieza,
Ă um tĂ©dio profundo de viver!E Ă© tudo sempre o mesmo, eternamente…
O mesmo lago plĂĄcido, dormente…
E os dias, sempre os mesmos, a correr…
Sonetos sobre Profundos de Florbela Espanca
7 resultadosO Maior Bem
Este querer-te bem sem me quereres,
Este sofrer por ti constantemente,
Andar atrĂĄs de ti sem tu me veres
Faria piedade a toda a gente.Mesmo a beijar-me a tua boca mente…
Quantos sangrentos beijos de mulheres
Pousa na minha a tua boca ardente,
E quanto engano nos seus vĂŁos dizeres!…Mas que me importa a mim que me nĂŁo queiras,
Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mĂsero pungir, ĂĄrduo e profundo,Do teu frio desamor, dos teus desdĂ©ns,
Ă, na vida, o mais alto dos meus bens?
Ă tudo quanto eu tenho neste mundo?
Para QuĂȘ?
Ao velho amigo JoĂŁo
Para quĂȘ ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angĂșstia estranhaE todo este feitiço e este enredo
Do nosso prĂłprio peito? E Ă© tamanha
E tĂŁo profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?Pra que ser asa quando a gente voa,
De que serve ser cĂąntico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?Para quĂȘ ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vĂŁo nas sĂlabas dum verso?
Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reĂșne num verso a imensidade!Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!Sonho que sou AlguĂ©m cĂĄ neste mundo …
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho … E nĂŁo sou nada! …
Suavidade
Poisa a tua cabeça dolorida
TĂŁo cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce IrmĂŁ compadecida.HĂĄs de contar-me nessa voz tĂŁo q’rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que Ă minha alma profunda fez a Vida.E hĂĄs de adormecer nos meus joelhos…
E os meus dedos enrugados, velhos,
HĂŁo de fazer-se leves e suaves…HĂŁo de poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d’aves…
Ăltimo Sonho De “soror Saudade
Ăquele que se perdera no caminho…
Soror Saudade abriu a sua cela…
E, num encanto que ninguém traduz,
Despiu o manto negro que era dela,
Seu vestido de noiva de Jesus.E a noite escura, extasiada, ao vĂȘ-la,
As brancas mĂŁos no peito quase em cruz,
Teve um brilhar feérico de estrela
Que se esfolhasse em pĂ©talas de luz!Soror Saudade olhou…Que olhar profundo
Que sonha e espera?…Ah! como Ă© feio o mundo,
E os homens vĂŁos! — EntĂŁo, devagarinho,Soror Saudade entrou no seu convento…
E, até morrer, rezou, sem um lamento,
Por Um que se perdera no caminho!…
Horas Rubras
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volĂșpia, noites quentes
Onde hĂĄ risos de virgens desmaiadas…Oiço olaias em flor Ă s gargalhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
SĂŁo pedaços de prata p’las estradas…Os meus lĂĄbios sĂŁo brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…Sou chama e neve e branca e mist’riosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ă meu Poeta, o beijo que procuras!