Uma Gravura Fantástica
Um vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrível de esqueleto
Um diadema de lata, – único enfeite a orná-lo
Sem espora ou ping’lim, monta um pobre cavalo,Um espectro também, rocinante esquelético,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dis lá vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragões alados.O Cavaleiro brande um gládio chamejante
Por sobre as multidões que pisa rocinante.
E como um gran-senhor, que seus reinos visite,Percorre o cemitério enorme, sem limite,
Onde jazem, no alvor d’uma luz branca e terna,
Os povos da História antiga e da moderna.Tradução de Delfim Guimarães
Sonetos sobre Cemitérios
12 resultadosMistério
Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende
Murmúrios por caminhos desolados.Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!
Último Credo
Como ama o homem adúltero o adultério
E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro este ladrão comum
Que arrasta a gente para o cemitério!É o transcendentalíssimo mistério!
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um,
Que matou Cristo e que matou Tibério.Creio como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substância cósmica evolue…Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!
Sentimento Esquisito
Ó céu estéril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.Pátria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidável muralha de mistério
Que deixa os corações desconsolados.Céu imóvel milênios e milênios,
Tu que iluminas a visão dos Gênios
E ergues das almas o sagrado acorde.Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…
Solilóquio De Um Visionário
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas divinas visões do íncola etéreo!Vestido de hidrogênio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…Subi talvez às máximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,
É necessário que inda eu suba mais!
O Mar
O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha é uma eterna sepultura
Banhada pela imácula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; só descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!Quando a cândida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidão das fragas,
Onde a quebrar-se tão fugaz se esfuma.Reflete a luz do sol que já não arde,
Treme na treva a púrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!
Tempos Idos
Não enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo dessas crenças que passaram,
e quero sempre tê-las ao meu lado!Não, não quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que não se enterra assim sem compaixão
Os escombros benditos de um Passado!Ai! Não me arranques d’alma este conforto!
– Quero abraçar o meu passado morto,
– Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!Deixa ao menos que eu suba à Eternidade
Velado pelo círio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!
O Azar
Com peso tal, não me ajeito;
Dá-me, Sísifo, vigor!
Embora eu tenha valor,
A Arte é larga e o Tempo Estreito.Longe dos mortos lembrados,
A um obscuro cemitério,
Minh’alma , tambor funéreo,
Vai rufar trechos magoados.— Há muitas jóias ocultas
Na terra fria, sepulturas
Onde não chega o alvião;Muita flor exala a medo
Seus perfumes no degredo
Da profunda solidãoTradução de Delfim Guimarães
Noturno
Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitério…
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de misticismo aéreo.Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua…
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele em silêncio, flutua
O lausperene mudo e súplice das almas.
Contrastes
A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
junta-se um hemisfério a outro hemisfério,As alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!…
Soneto
N’augusta solidão dos cemitérios,
Resvalando nas sombras dos ciprestes,
Passam meus sonhos sepultados nestes
Brancos sepulcros, pálidos, funéreos.São minhas crenças divinais, ardentes
– Alvos fantasmas pelos merencórios
Túmulos tristes, soturnais, silentes,
Hoje rolando nos umbrais marmóreos.Quando da vida, no eternal soluço,
Eu choro e gemo e triste me debruço
Na lájea fria dos meus sonhos pulcros.Desliza então a lúgubre coorte,
E rompe a orquestra sepulcral da morte,
Quebrando a paz suprema dos sepulcros.
Vozes De Um Túmulo
Morri! E a Terra – a mãe comum – o brilho
Destes meus olhos apagou!… Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!Por que para este cemitério vim?!
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque não tem fim!No ardor do sonho que o fronema exalta
Construí de orgulho ênea pirâmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronouA pirâmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciência de que nada sou!