Sonetos sobre Cemitérios

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Sonetos de cemitérios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Sentimento Esquisito

Ó cĂ©u estĂ©ril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

PĂĄtria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidåvel muralha de mistério
Que deixa os coraçÔes desconsolados.

CĂ©u imĂłvel milĂȘnios e milĂȘnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂȘnios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

SolilĂłquio De Um VisionĂĄrio

Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!

A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressÔes visuais que eu sinto,
Nas divinas visÔes do íncola etéreo!

Vestido de hidrogĂȘnio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…

Subi talvez Ă s mĂĄximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma Ă s escuras,
É necessário que inda eu suba mais!

O Mar

O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha Ă© uma eterna sepultura
Banhada pela imĂĄcula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.

Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; sĂł descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cĂąndida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidĂŁo das fragas,
Onde a quebrar-se tĂŁo fugaz se esfuma.

Reflete a luz do sol que jĂĄ nĂŁo arde,
Treme na treva a pĂșrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!

Tempos Idos

NĂŁo enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo dessas crenças que passaram,
e quero sempre tĂȘ-las ao meu lado!

NĂŁo, nĂŁo quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que nĂŁo se enterra assim sem compaixĂŁo
Os escombros benditos de um Passado!

Ai! NĂŁo me arranques d’alma este conforto!
– Quero abraçar o meu passado morto,
– Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!

Deixa ao menos que eu suba Ă  Eternidade
Velado pelo cĂ­rio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!

O Azar

Com peso tal, nĂŁo me ajeito;
DĂĄ-me, SĂ­sifo, vigor!
Embora eu tenha valor,
A Arte Ă© larga e o Tempo Estreito.

Longe dos mortos lembrados,
A um obscuro cemitério,
Minh’alma , tambor funĂ©reo,
Vai rufar trechos magoados.

— Há muitas jóias ocultas
Na terra fria, sepulturas
Onde nĂŁo chega o alviĂŁo;

Muita flor exala a medo
Seus perfumes no degredo
Da profunda solidĂŁo

Tradução de Delfim Guimarães

Noturno

Pesa o silĂȘncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitĂ©rio…
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.

E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lågrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de misticismo aéreo.

Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua…
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.

E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele em silĂȘncio, flutua
O lausperene mudo e sĂșplice das almas.

Contrastes

A antĂ­tese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ăłdio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!

O Ăąngulo obtuso, pois, e o Ăąngulo reto,
Uma feição humana e outra divina
SĂŁo como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

As alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz tambĂ©m os caixĂ”es do cemitĂ©rio!…

Soneto

N’augusta solidĂŁo dos cemitĂ©rios,
Resvalando nas sombras dos ciprestes,
Passam meus sonhos sepultados nestes
Brancos sepulcros, pålidos, funéreos.

São minhas crenças divinais, ardentes
– Alvos fantasmas pelos merencĂłrios
TĂșmulos tristes, soturnais, silentes,
Hoje rolando nos umbrais marmĂłreos.

Quando da vida, no eternal soluço,
Eu choro e gemo e triste me debruço
Na lĂĄjea fria dos meus sonhos pulcros.

Desliza entĂŁo a lĂșgubre coorte,
E rompe a orquestra sepulcral da morte,
Quebrando a paz suprema dos sepulcros.

Vozes De Um TĂșmulo

Morri! E a Terra – a mĂŁe comum – o brilho
Destes meus olhos apagou!… Assim
TĂąntalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu prĂłprio filho!

Por que para este cemitério vim?!
Por quĂȘ?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque nĂŁo tem fim!

No ardor do sonho que o fronema exalta
ConstruĂ­ de orgulho ĂȘnea pirĂąmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronou

A pirĂąmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciĂȘncia de que nada sou!

Uma Gravura FantĂĄstica

Um vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrível de esqueleto
Um diadema de lata, – Ășnico enfeite a ornĂĄ-lo
Sem espora ou ping’lim, monta um pobre cavalo,

Um espectro também, rocinante esquelético,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dis lå vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragÔes alados.

O Cavaleiro brande um glĂĄdio chamejante
Por sobre as multidÔes que pisa rocinante.
E como um gran-senhor, que seus reinos visite,

Percorre o cemitério enorme, sem limite,
Onde jazem, no alvor d’uma luz branca e terna,
Os povos da HistĂłria antiga e da moderna.

Tradução de Delfim Guimarães

Mistério

Gosto de ti, Ăł chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pĂĄlidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca nĂŁo aprende
MurmĂșrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lĂșgubre arrepio
Das sensaçÔes estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistĂ©rio…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome Ă s rosas!

Último Credo

Como ama o homem adĂșltero o adultĂ©rio
E o Ă©brio a garrafa tĂłxica de rum,
Amo o coveiro este ladrĂŁo comum
Que arrasta a gente para o cemitério!

É o transcendentalĂ­ssimo mistĂ©rio!
É o nous, Ă© o pneuma, Ă© o ego sum qui sum,
É a morte, Ă© esse danado nĂșmero Um,
Que matou Cristo e que matou Tibério.

Creio como o filĂłsofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substĂąncia cĂłsmica evolue…

Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!