Sonetos sobre Céu de Augusto dos Anjos

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Sonetos de céu de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

Amor E Crença

E sĂȘ bendita!
H. Sienkiewicz

Sabes que Ă© Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
ReĂșne tudo em si, num sĂł encanto?

Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!

Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar Ă  Natureza,
Fita a cĂșp’la do CĂ©u santa e infinita!

Deus Ă© o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crĂȘ em Deus, e… sĂȘ bendita!

A Meu Pai Morto

Madrugada de Treze de janeiro.
Rezo, sonhando, o ofĂ­cio da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!

E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse Ă  minha MĂŁe que me dizia:
“Acorda-o”! deixa-o, MĂŁe, dormir primeiro!

E saĂ­ para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma nĂ©voa no estrelado vĂ©u…

Mas pareceu-me, entre as estrelas flĂłreas,
Como Elias, num carro azul de glĂłrias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!

Ecos D’alma

Oh! madrugada de ilusÔes, santíssima,
Sombra perdida lĂĄ do meu Passado,
Vinde entornar a clĂąmide purĂ­ssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;

Mas quando vibrar a Ășltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,

Quem me dera morrer entĂŁo risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-LĂĄctea da IlusĂŁo que passa!

Ceticismo

Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dĂșvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.

Da Igreja – a Grande MĂŁe – o exorcismo
TerrĂ­vel me feriu, e entĂŁo sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:

– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dĂșvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.

Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
NĂŁo sei se viva p’ra morrer na terra,
NĂŁo sei se morra p’ra viver no CĂ©u!

Amor E ReligiĂŁo

Conheci-o: era um padre, um desses santos
Sacerdotes da Fé de crença pura,
Da sua fala na eternal doçura
Falava o coração. Quantos, oh! Quantos

Ouviram dele frases de candura
Que d’infelizes enxugavam prantos!
E como alegres nĂŁo ficaram tantos
CoraçÔes sem prazer e sem ventura!

No entanto dizem que este padre amara.
Morrera um dia desvairado, estulto,
Su’alma livre para o CĂ©u se alara.

E Deus lhe disse: “És duas vezes santo,
Pois se da ReligiĂŁo fizeste culto,
Foste do amor o mĂĄrtir sacrossanto.”

Idealização Da Humanidade Futura

Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
– Homens que a herança de Ă­mpetos impuros
Tornara Ă©tnicamente irracionais! –

NĂŁo sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No hĂșmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoĂĄrios
Meti todos os dedos mercenĂĄrios
Na consciĂȘncia daquela multidĂŁo…

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!

A Minha Estrela

A meu irmĂŁo AprĂ­gio A.

E eu disse – Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
LĂĄ onde nunca chegue esta saudade,
– A sombra deste afeto estiolado.

Disse, e a estrela foi p’ra o CĂ©u subindo,
Minh’alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que do Céu ela enviava,
E quando ela no Azul foi-se sumindo

Surgia a Aurora – a mĂĄgica princesa!
E eu vi o Sol do Céu iluminando
A Catedral da Grande Natureza.

Mas a noute chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E nunca mais eu vi a minha estrela!

Nimbos

Nimbos de bronze que empanais escuros
O santuĂĄrio azul da Natureza,
Quando vos vejo, negros palinuros
Da tempestade negra e da tristeza,

Abismados na bruma enegrecida,
Julgo ver nos reflexos de minh’alma
As mesmas nuvens deslizando em calma,
Os nimbos das procelas desta vida;

Mas quando o céu é límpido, sem bruma
Que a transparĂȘncia tolde, sem nenhuma
Nuvem sequer, entĂŁo, num mar de esp’rança,

Que o céu reflete, a vida é qual risonho
Batel, e a alma Ă© a FlĂąmula do sonho,
Que o guia e o leva ao porto da bonança.

Primavera

A meu irmĂŁo Odilon dos Anjos

Primavera gentil dos meus amores,
– Arca cerĂșlea de ilusĂ”es etĂ©reas,
Chova-te o Céu cintilaçÔes sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!

Cedo virå, porém, o triste outono,
Os dias voltarĂŁo a ser tristonhos
E tu hĂĄs de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerĂșleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!

VĂ­tima Do Dualismo

Ser miserĂĄvel dentre os miserĂĄveis
– Carrego em minhas cĂ©lulas sombrias
Antagonismos irreconciliĂĄveis
E as mais opostas idiosincrasias!

Muito mais cedo do que o imaginĂĄveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada Ă s bravias
CĂłleras dos dualismos implacĂĄveis
E Ă  gula negra das antinomias!

PsiquĂȘ biforme, o CĂ©u e o Inferno absorvo…
Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variĂĄveis elementos,

Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!

PlenilĂșnio

Desmaia o plenilĂșnio. A gaze pĂĄlida
Que lhe serve de alvĂ­ssimo sudĂĄrio
Respira essĂȘncias raras, toda a cĂĄlida
MĂ­stica essĂȘncia desse alampadĂĄrio.

E a lua Ă© como um pĂĄlido sacrĂĄrio,
Onde as almas das virgens em crisĂĄlida
De seios alvos e de fronte pĂĄlida,
Derramam a urna dum perfume vĂĄrio.

Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctĂąmbula do Amor,
Eu, noctĂąmbulo da Dor e da Saudade.

Ah! como a branca e merencĂłrea lua,
TambĂ©m envolta num sudĂĄrio – a Dor,
Minh’alma triste pelos cĂ©us flutua!