Sonetos sobre Últimos de Augusto dos Anjos

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Aos Meus Filhos

Na intermitĂȘncia da vital canseira,
Sois vĂłs que sustentais ( Força Alta exige-o … )
Com o vosso catalĂ­tico prestĂ­gio,
Meu fantasma de carne passageira!

VulcĂŁo da bioquĂ­mica fogueira
Destruiu-me todo o orgĂąnico fastĂ­gio …
Dai-me asas, pois, para o Ășltimo remĂ­gio,
Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!

CulminĂąncias humanas ainda obscuras,
ExpressÔes do universo radioativo,
Ions emanados do meu prĂłprio ideal,

Benditos vĂłs, que, em Ă©pocas futuras,
Haveis de ser no mundo subjetivo,
Minha continuidade emocional!

DecadĂȘncia

Iguais Ă s linhas perpendiculares
Caíram, como cruéis e hórridas hastas,
Nas suas 33 vértebras gastas
Quase todas as pedras tumulares!

A frialdade dos cĂ­rculos polares,
Em sucessivas atuaçÔes nefastas,
Penetrara-lhe os prĂłprios neuroplastas,
Estragara-lhe os centros medulares!

Como quem quebra o objeto mais querido
E começa a apanhar piedosamente
Todas as microscĂłpicas partĂ­culas,

Ele hoje vĂȘ que, apĂłs tudo perdido,
SĂł lhe restam agora o Ășltimo dente
E a armação funeråria das clavículas!

Apocalipse

Minha divinatĂłria Arte ultrapassa
os sĂ©culos efĂȘmeros e nota
Diminuição dinùmica, derrota
Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destrói a ebulição que a ågua alvorota
E pÔe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,
FederaçÔes sidĂ©ricas quebradas…
E eu sĂł, o Ășltimo a ser, pelo orbe adeante,

EspiĂŁo da cataclĂ­smica surpresa
A Ășnica luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!

Caput Immortale

Na dinĂąmica aziaga das descidas,
Aglomeradamente e em turbilhĂŁo
Solucem dentro do Universo anciĂŁo,
Todas as urbes siderais vencidas!

Morra o Ă©ter. Cesse a luz. Parem as vidas,
Sobre a pancosmolĂłgica exaustĂŁo
Reste apenas o acervo ĂĄrido e vĂŁo
Das muscularidades consumidas!

Ainda assim, a animar o cosmos ermo,
Morto o comércio físico nefando,
Oh! Nauta aflito do Subliminal,

Como a Ășltima expressĂŁo da Dor sem termo,
Tua cabeça hå de ficar vibrando
Na negatividade universal!

Ecos D’alma

Oh! madrugada de ilusÔes, santíssima,
Sombra perdida lĂĄ do meu Passado,
Vinde entornar a clĂąmide purĂ­ssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;

Mas quando vibrar a Ășltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,

Quem me dera morrer entĂŁo risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-LĂĄctea da IlusĂŁo que passa!

A Esmola De Dulce

Ao Alfredo A.

E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.

E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trĂȘmula balada:
– Senhora, dai-me u’a esmola – e estertorada
A minha voz soluça num gemido.

Morre-me a voz, e eu gemo o Ășltimo harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lĂĄbios de Dulce cai um beijo.

Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.

Asa De Corvo

Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes
O telhado de nossa prĂłpria casa…

Perseguido por todos os reveses,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto Ă  brasa,
Como os Goncourts, como os irmĂŁos siameses!

É com essa asa que eu faço este soneto
E a indĂșstria humana faz o pano preto
Que as famĂ­lias de luto martiriza…

É ainda com essa asa extraordinária
Que a Morte – a costureira funerĂĄria –
Cose para o homem a Ășltima camisa!

Depois Da Orgia

O prazer que na orgia a hetaĂ­ra goza
Produz no meu sensorium de bacante
O efeito de uma tĂșnica brilhante
Cobrindo ampla apostema escrofulosa!

Troveja! E anelo ter, sĂŽfrega e ansiosa,
O sistema nervoso de um gigante
Para sofrer na minha carne estuante
A dor da força cósmica furiosa.

Apraz-me, enfim, despindo a Ășltima alfaia
Que ao comércio dos homens me traz presa,
Livre deste cadeado de peçonha,

Semelhante a um cachorro de atalaia
Às decomposiçÔes da Natureza,
Ficar latindo minha dor medonha!

O Lupanar

Ali! Por que monstruosĂ­ssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do Ăąngulo diedro da parede,
A alma do homem polĂ­gamo e lascivo?!

Este logar, moços do mundo, vĂȘde:
É o grande bebedouro coletivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vĂȘm matar a sede!

É o afrodisíaco leito do hetairismo,
A antecĂąmara lĂșbrica do abismo,
Em que Ă© mister que o gĂȘnero humano entre,

Quando a promiscuidade aterradora
Matar a Ășltima força geradora
E comer o Ășltimo Ăłvulo do ventre!

Budismo Moderno

Tome, Dr., esta tesoura, e… corte
Minha singularĂ­ssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomåceas da lagoa
A criptĂłgama cĂĄpsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do Ășltimo verso que eu fizer no mundo!

Versos Íntimos

VĂȘs?! NinguĂ©m assistiu ao formidĂĄvel
Enterro de tua Ășltima quimera.
SĂłmente a IngratidĂŁo – esta pantera –
Foi tua companheira inseparĂĄvel!

Acostuma-te Ă  lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserĂĄvel,
Mora, entre feras, sente inevitĂĄvel
Necessidade de também ser fera.

Toma um fĂłsforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mĂŁo que afaga Ă© a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mĂŁo vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

O MartĂ­rio Do Artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A Ăłrbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do Ășltimo momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à mingua
Da prĂłpria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vĂŁo falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a lĂ­ngua,
E nĂŁo lhe vem Ă  boca uma palavra!

O CorrupiĂŁo

Escaveirado corrupiĂŁo idiota,
Olha a atmosfera livre, o amplo Ă©ter belo,
E a alga criptĂłgama e a Ășsnea e o cogumelo,
Que do fundo do chĂŁo todo o ano brota!

Mas a Ăąnsia de alto voar, de Ă  antiga rota
Voar, nĂŁo tens mais! E pois, preto e amarelo,
PÔes-te a assobiar, bruto, sem cerebelo
A gargalhada da Ășltima derrota!

A gaiola aboliu tua vontade.
Tu nunca mais verĂĄs a liberdade! …
Ah! Tu somente ainda Ă©s igual a mim.

Continua a comer teu milho alpiste.
Foi este mundo que me fez tĂŁo triste,
Foi a gaiola que te pĂŽs assim!

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”

Última Visio

Quando o homem resgatado da cegueira
Vir Deus num simples grĂŁo de argila errante,
TerĂĄ nascido nesse mesmo instante
A mineralogia derradeira!

A impérvia escuridão obnubilante
HĂĄ de cessar! Em sua glĂłria inteira
Deus resplandecerĂĄ dentro da poeira
Como um gasofilĂĄceo de diamante!

Nessa Ășltima visĂŁo jĂĄ subterrĂąnea,
Um movimento universal de insĂąnia
ArrancarĂĄ da insciĂȘncia o homem precito…

A Verdade virĂĄ das pedras mortas
E o homem compreenderĂĄ todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!

Versos A Um Coveiro

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal Ă©, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, trĂȘs, quatro, cinco… Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fĂșlgidos letreiros,
Na progressĂŁo dos nĂșmeros inteiros
A gĂȘnese de todos os abismos!

Oh! PitĂĄgoras da Ășltima aritmĂ©tica,
Continua a contar na paz ascética
Dos tĂĄbidos carneiros sepulcrais

TĂ­bias, cĂ©rebros, crĂąnios, rĂĄdios e Ășmeros,
Porque, infinita como os prĂłprios nĂșmeros
A tua conta nĂŁo acaba mais!

O Fim Das Coisas

Pode o homem bruto, adstricto Ă  ciĂȘncia grave,
Arrancar, num triunfo surpreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,
SĂŽfrego, o solo sĂĄxeo; e, na Ăąnsia ardente
De perscrutar o Ă­ntimo do orbe, invente
A limpada aflogĂ­stica de Davy!

Em vĂŁo! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho
Como o desaguadouro atro de um rio …

E quando, ao cabo do Ășltimo milĂȘnio,
A humanidade vai pesar seu gĂȘnio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!