Sonetos sobre Chuva de Florbela Espanca

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Sonetos de chuva de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Neurastenia

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza…

O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estĂŁo nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza…

Chuva…tenho tristeza! Mas porquĂŞ?!
Vento…tenho saudades! Mas de quĂŞ?!
Ă“ neve que destino triste o nosso!

Ă“ chuva! Ă“ vento! Ă“ neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu nĂŁo posso !!…

Noite De Chuva

Chuva…Que gotas grossas!…Vem ouvir:
Uma …duas…mais outra que desceu…
É Viviana, é Melusina, a rir,
SĂŁo rosas brancas dum rosal do CĂ©u…

Os lilases deixaram-se dormir…
Nem um frĂ©mito…a terra emudeceu…
Amor! Vem ver estrelas a cair:
Uma…duas…mais outra que desceu…

Fala baixo, juntinho ao meu ouvido,
Que essa fala de amor seja um gemido,
Um murmĂşrio, um soluço, um ai desfeito…

Ah! deixa Ă  noite o seu encanto triste!
E a mim…o teu amor que mal existe,
Chuva a cair na noite do meu peito!

Ambiciosa

Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vĂ´o dum gesto para os alcançar…

Se as minhas mĂŁos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar…
– Quantas panteras bárbaras mataram
SĂł pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? – Terra tĂŁo pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum deus!…

A Voz da TĂ­lia

Diz-me a tĂ­lia a cantar: “Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera…

E de manhĂŁ o sol Ă© uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça…
Trago nas mĂŁos as mĂŁos da Primavera…
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E Ă  minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine…”

E, ao ver-me triste, a tĂ­lia murmurou:
“Já fui um dia poeta como tu…
Ainda hás de ser tĂ­lia como eu sou…”

Em Busca do Amor

O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar.”

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando …
E noite e dia, Ă  chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando …

Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu … olhou … e riu …

Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados …
E eu paro a murmurar: “NinguĂ©m o viu! …”

Mistério

Gosto de ti, Ăł chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca nĂŁo aprende
MurmĂşrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lĂşgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistĂ©rio…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome Ă s rosas!