Sonetos sobre Cinzas de Augusto dos Anjos

5 resultados
Sonetos de cinzas de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido

Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!

Tempos Idos

NĂŁo enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo dessas crenças que passaram,
e quero sempre tĂŞ-las ao meu lado!

NĂŁo, nĂŁo quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que nĂŁo se enterra assim sem compaixĂŁo
Os escombros benditos de um Passado!

Ai! NĂŁo me arranques d’alma este conforto!
– Quero abraçar o meu passado morto,
– Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!

Deixa ao menos que eu suba Ă  Eternidade
Velado pelo cĂ­rio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!

Asa De Corvo

Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes
O telhado de nossa prĂłpria casa…

Perseguido por todos os reveses,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto Ă  brasa,
Como os Goncourts, como os irmĂŁos siameses!

É com essa asa que eu faço este soneto
E a indĂşstria humana faz o pano preto
Que as famĂ­lias de luto martiriza…

É ainda com essa asa extraordinária
Que a Morte – a costureira funerária –
Cose para o homem a Ăşltima camisa!

O Caixão Fantástico

CĂ©lere ia o caixĂŁo, e, nele, inclusas,
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens
Oriundas, como os sonhos dos selvagens,
De aberratórias abstrações abstrusas!

Nesse caixĂŁo iam talvez as Musas,
Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagens
Enchiam meu encéfalo de imagens
As mais contraditĂłrias e confusas!

A energia monástica do Mundo,
Ă€ meia-noite, penetrava fundo
No meu fenomenal cĂ©rebro cheio…

Era tarde! Fazia muito frio.
Na rua apenas o caixĂŁo sombrio
Ia continuando o seu passeio!

No Claustro

Pelas do claustro salas silenciosas
De lutulentas, Ăşmidas arcadas,
Na vastidĂŁo silente das caladas
AbĂłbodas sombrias tenebrosas,

Vagueiam tristemente desfiladas
De freiras e de monjas tristurosas,
Que guardam cinzas de ilusões passadas,
Que guardam pĂ©r’las de funĂ©reas rosas.

E Ă  noute quando rezam na clausura,
No sigilo das rezas misteriosas,
Nem a sombra mais leve de ventura!

Sempre as arcadas ogivais, desnudas,
E as mesmas monjas sempre tristurosas,
E as mesmas portas impassĂ­veis, mudas!