Sonetos sobre Danos de Luís de CamÔes

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Sonetos de danos de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

Lembranças, que lembrais meu bem passado

Lembranças, que lembrais meu bem passado,
Pera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
NĂŁo me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo estå ordenado
Viver, como se vĂȘ, tĂŁo descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dĂȘ a morte fim a meu cuidado.

Que muito melhor Ă© perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.

Assim que nada perde quem perdida
A esperança traz de sua glória,
Se esta vida hĂĄ-de ser sempre em tormento.

Apartava-Se Nise De Montano

Apartava-se Nise de Montano,
em cuja alma partindo-se ficava;
que o pastor na memĂłria a debuxava,
por poder sustentar-se deste engano.

Pelas praias do Índico Oceano
sobre o curvo cajado s’encostava,
e os olhos pelas ĂĄguas alongava,
que pouco se doĂ­am de seu dano.

Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade
(dezia) quis deixar-me a que eu adoro,
por testemunhas tomo CĂ©u e estrelas.

Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
levai também as lågrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!

Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais

Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do CĂ©u certĂ­ssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.

E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que, sĂł por me nĂŁo verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!

Na Desesperação Jå Repousava

Na desesperação jå repousava
o peito longamente magoado,
e, com seu dano eterno concertado,
jĂĄ nĂŁo temia, jĂĄ nĂŁo desejava;

quando ĂŒa sombra vĂŁ me assegurava
que algum bem me podia estar guardado
em tĂŁo fermosa imagem que o treslado
n’alma ficou, que nela se enlevava.

Que crédito que då tão facilmente
o coração åquilo que deseja,
quando lhe esquece o fero seu destino!

Oh! deixem-me enganar, que eu sou
contente; que, posto que maior meu dano seja,
fica-me a glĂłria jĂĄ do que imagino.

Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa

Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do CĂ©u certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que sĂł por nĂŁo me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!

Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!

Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
QuĂŁo asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.

Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
entĂŁo nĂŒ’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.

Ah! quanto milhor fora nĂŁo vos ver,
gostos, que assi passais tĂŁo de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:

sem vĂłs jĂĄ me nĂŁo fica que perder,
se nĂŁo se for esta cansada vida,
que por mor perda minha nĂŁo perdi.

Corro Após este Bem que não se Alcança

Oh como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vĂŁo discurso humano!

Minguando a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiĂȘncia se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
De vista se me perde, e da esperança.

Quis Deixar-me a que Eu Adoro

Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memĂłria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.

Por Ć©a praia do Índico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas ĂĄguas alongava,
Que pouco se doĂ­am de seu dano.

Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.

Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
Levai também as lågrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.

Os Vestidos Elisa Revolvia

Os vestidos Elisa revolvia
que lh’Eneias deixara por memĂłria:
doces despojos da passada glĂłria,
doces, quando seu Fado o consentia.

Entr’eles a fermosa espada via
que instrumento foi da triste histĂłria;
e, como quem de si tinha a vitĂłria,
falando sĂł com ela, assi dezia:

-Fermosa e nova espada, se ficaste
sĂł para executares os enganos
de quem te quis deixar, em minha vida,

Sabe que tu comigo t’enganaste;
que, para me tirar de tantos danos,
sobeja me a tristeza da partida.

JĂĄ NĂŁo Sinto, Senhora, Os Desenganas

JĂĄ nĂŁo sinto, Senhora, os desenganas
com que minha afeição sempre tratastes,
nem ver o galardĂŁo que me negastes,
merecido por fé, hå tantos anos.

A mĂĄgoa choro sĂł, sĂł choro os danos
de ver por quem, Senhora, me trocastes;
mas em tal caso vĂłs sĂł me vingastes
de vossa ingratidĂŁo, vossos enganos.

Dobrada glória då qualquer vingança,
que o ofendido toma do culpado,
quando se satisfaz com cousa justa;

mas eu de vossos males e esquivança,
de que agora me vejo bem vingado,
nĂŁo o quisera eu tanto Ă  vossa custa.

Bem Sei, Amor, que Ă© Certo o que Receio

Bem sei, Amor, que Ă© certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.

A mĂŁo tenho metida no meu seio,
E nĂŁo vejo os meus danos Ă s escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.

Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?

Despois Que Viu Cibele O Corpo Humano

Despois que viu Cibele o corpo humano
do fermoso Átis seu verde pinheiro,
em piedade o vĂŁo furar primeiro
convertido, chorou seu grave dano.

E, fazendo a sua dor ilustre engano,
a JĂșpiter pediu que o verdadeiro
preço da nova palma e do loureiro,
ao seu pinheiro desse, soberano.

Mais lhe concede o filho poderoso
que, as estrelas, subindo, tocar possa,
vendo os segredos lĂĄ do CĂ©u superno.

Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso
quem se vir coroar da folha vossa,
cantando Ă  vossa sombra verso eterno!

O Filho De Latona Esclarecido

O filho de Latona esclarecido,
que com seu raio alegra a humana gente,
o hĂłrrido Piton, brava serpente,
matou, sendo das gentes tĂŁo temido.

Feriu com arco, e de arco foi ferido,
com ponta aguda d’ouro reluzente;
nas tessĂĄlicas praias, docemente,
pela Ninfa Peneia andou perdido.

NĂŁo lhe pĂŽde valer, para seu dano,
ciĂȘncia, diligĂȘncias, nem respeito
de ser alto, celeste e soberano.

Se este nunca alcançou nem um engano
de quem era tĂŁo pouco em seu respeito,
eu que espero de um ser que Ă© mais que humano?

Quem Quiser Ver D’amor Üa ExcelĂȘncia

Quem quiser ver d’Amor ĂŒa excelĂȘncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me pÔe minha ventura,
por ter de minha fĂ© experiĂȘncia.

Onde lembranças mata a longa ausĂȘncia,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade estĂĄ segura,
quando mor risco corre a paciĂȘncia.

Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;

Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂ­ngua o nome, n’alma a vista pura.

Em Amor nĂŁo hĂĄ SenĂŁo Enganos

Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tĂŁo cedo;
Eu morro e nĂŁo vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.

Escritos para sempre jĂĄ ficais
Onde vos mostrarĂŁo todos co’o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.

Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),

Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor nĂŁo hĂĄ senĂŁo enganos.

Por Sua Ninfa, CĂ©falo Deixava

Por sua Ninfa, CĂ©falo deixava
Aurora, que por ele se perdia,
posto que dĂĄ princĂ­pio ao claro dia,
posto que as roxas flores imitava.

Ele, que a bela PrĂłcris tanto amava
que sĂł por ela tudo enjeitaria,
deseja de atentar se lhe acharia
tão firme fé como nele achava.

Mudado o trajo, tece o duro engano:
outro se finge, preço pÔe diante,
quebra se a fé mudåvel, e consente.

Ó engenho sutil para seu dano!
Vede que manhas busca um cego amante
para que sempre seja descontente!

Cantando Estava Um Dia Bem Seguro Quando

Cantando estava um dia bem seguro quando,
passando, SĂ­lvio me dizia
(SĂ­lvio, pastor antigo, que sabia
pelo canto das aves o futuro):

-MĂ©ris, quando quiser o fado escuro,
oprimir-te virĂŁo em um sĂł dia
dous lobos; logo a voz e a melodia
te fugirĂŁo, e o som suave e puro.

Bem foi assi: porque um me degolou
quanto gado vacum pastava e tinha,
de que grandes soldadas esperava;

E outro por meu dano me matou
a cordeira gentil que eu tanto amava,
perpétua saudade da alma minha!

Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto

Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito sĂŁo duros abrolhos,
em mim se vĂȘ mui claro e manifesto:

pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
nĂŁo vira em vĂłs seu dano o mal funesto.

Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,

nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vĂłs nĂŁo cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.