Sonetos sobre Doces de Cruz e Souza

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Sonetos de doces de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Roma PagĂŁ

Na antiga Roma, quando a saturnal fremente
Exerceu sobre tudo o báquico domínio,
NĂŁo era raro ver nos gozos do triclĂ­nio
A nudez feminina imperiosa e quente.

O corpo de alabastro, olĂ­mpico e fulgente,
Lascivamente nu, correto e retilĂ­nio,
Num doce tom de cor, esplĂŞndido e sangĂĽĂ­neo,
Tinha o assombro da came e a forma da serpente.

A luz atravessava em frocos d’oiro e rosa
Pela fresca epiderme, ebĂşrnea e setinosa,
Macia, da maciez dulcĂ­ssima de arminhos.

Menos raro, porém, do que a nudez romana
Era ver borbulhar, em férvida espadana
A pĂşrpura do sangue e a pĂşrpura dos vinhos.

É Delicada, Suave, Vaporosa

É delicada, suave, vaporosa,
A grande atriz, a singular feitura…
É linda e alva como a neve pura,
DĂ©bil, franzina, divinal, nervosa!…

E d’entre os lábios setinais, de rosa
Libram-se pĂ©rolas de nitente alvura…
E doce aroma de sutil frescura
Sai-lhe da leve compleição mimosa!…

Quando aparece no febril proscĂŞnio
Bem como os mitos do passado, ingentes,
Bem como um astro majestoso, helĂŞnio…

Sente-se n’alma as atrações potentes
Que sĂł se operam ao fulgor do gĂŞnio,
As rubras chispas ideais, ferventes!…

SilĂŞncios

Largos SilĂŞncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos.

Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lágrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.

Ó Silêncios! ó cândidos desmaios,
Vácuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais lĂ­mpido cortejo…

Eu vos sinto os mistérios insondáveis,
Como de estranhos anjos inefáveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!

Musica Misteriosa

Tenda de Estrelas nĂ­veas, refulgentes,
Que abris a doce luz de alampadários,
As harmonias dos Estradivarius
Erram da Lua nos clarões dormentes…

Pelos raios fluĂ­dicos, diluentes
Dos Astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de místicos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes…

Cânticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos Azuis etéreos,
Dentre os nevoeiros do luar fluindo…

E vai, de Estrela a Estrela, a luz da Lua,
Na láctea claridade que flutua,
A surdina das lágrimas subindo…

Chegou Enfim, E O Desembarque Dela

Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressĂŁo divina!
É meiga, pura como sã bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!

É graciosa, sacudida e bela,
NĂŁo tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gĂŞnio que seduz, fascina,
TĂŁo atraente, singular Ă© ela!

Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!

Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!

No Campo

Acordo de manhĂŁ cedo
Da luz aos doces carinhos:
Que rosas pelos caminhos!
Que rumor pelo árvoredo!

Para o azul radioso e ledo
Sobe, de dentro dos ninhos,
O canto dos passarinhos
Cheio de amor e segredo.

Dentre moitas de verdura
Voam as pombas nevadas,
Imaculadas de alvura.

Pelas margens das estradas
Que penetrante frescura
Que femininas risadas!

Piedade

O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.

Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.

Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inĂştil nos amargos trilhos.

É como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!

Santos Óleos

Com os santos Ăłleos de que vens ungido
Podes andar no mundo sem receio.
Quem veio para a Luz, por certo veio
Para ser valoroso e ser temido.

Que tudo Ă© embalde, tudo em vĂŁo, perdido
Quando se traz esse divino anseio,
Esse doce tranporte ou doce enleio
Que deixa tudo e tudo confundido.

A Alma que comop a vela chega ao porto
Sente o melhor, consolador conforto
E a asa nas asas dos Arcanjos toca…

Os santos Ăłleos sĂŁo a luz guiadora
Que vigia por ti na pecadora
Terra e o teu mundo celestial evoca

DelĂ­rio Do Som

O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.

Me parecia a mĂşsica do arminho,
O perfume do lĂ­rio que cantava,
A estrela-d’alva que nos cĂ©us entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.

Incomparável, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;

Como as visões olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.

O Seu Boné

Ă€ atriz Adelina Castro

É um boné ideal, de feltros e de plumas,
Que ela usa agora, assim como um turbante
Turco, aveludado, doce como algumas
Nuvens matinais que rolam no levante.

Lembro quando ao vĂŞ-lo a rubra marselhesa,
Lembro sensações e cousas de prodígio
E penso que ele tem a máscula grandeza
Desse sedutor, vital barrete frĂ­gio!…

Ă€s vezes meu olhar medindo-lhe o contorno
E a flácida plumagem que serve-lhe d’adorno,
— satânico, voraz, esplĂŞndido de fĂ©!

Exclama num idílio cândido e singelo,
Por entre as convulsões artĂ­sticas do Belo; —
Oh! tem coração e alma, esse bonĂ©!…

Alma Que Chora

A JoĂŁo Saldanha

Em vão do Cristo aos olhos dulçurosos
Onde há o sol do bem e da verdade,
Cheios da luz eterna de saudade,
Como dois mansos corações piedosos,

Em vĂŁo do Cristo os olhos lacrimosos
E aquela doce e pura suavidade
Do seu semblante, casto, de bondade,
Cor do luar dos sonhos venturosos,

Servem de exemplo a dor escruciante
Que te apunhala e fere a cada instante,
A punhaladas rĂ­spidas, austeras!

Viste partir a tua irmĂŁ, se, viste,
Como num céu enévoado e triste
O bando azul das fĂşlgidas quimeras…

Post Mortem

Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.

Quando as níveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.

Já terás para os báratros descido,
Nos cilĂ­cios da Morte revestido,
PĂ©s e faces e mĂŁos e olhos gelados…

Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarĂŁo de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!

SĂł!

Muito embora as estrelas do Infinito
Lá de cima me acenem carinhosas
E desça das esferas luminosas
A doce graça de um clarão bendito;

Embora o mar, como um revel proscrito,
Chame por mim nas vagas ondulosas
E o vento venha em cĂłleras medrosas
O meu destino proclamar num grito,

Neste mundo tão trágico, tamanho,
Como eu me sinto fundamente estranho
E o amor e tudo para mim avaro…

Ah! como eu sinto compungidamente,
Por entre tanto horror indiferente,
Um frio sepulcral de desamparo!

Abrigo Celeste

Estrela triste a refletir na lama,
Raio de luz a cintilar na poeira,
Tens a graça sutil e feiticeira,
A doçura das curvas e da chama.

Do teu olhar um fluido se derrama
De tão suave, cândida maneira
Que és a sagrada pomba alvissareira
Que para o Amor toda a minh’alma chama.

Meu ser anseia por teu doce apoio,
Nos outros seres sĂł encontra joio
Mas sĂł no teu todo o divino trigo.

Sou como um cego sem bordĂŁo de arrimo
Que do teu ser, tateando, me aproximo
Como de um céu de carinhoso abrigo.

Luar

Ao longo das lourĂ­ssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria…
Cessou no espaço a límpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.

As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nĂ­tido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.

Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento — abrindo
Largo clarĂŁo em flocos d’escomilha.

Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nĂ­vea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha…

Domus Aurea

De bom amor e de bom fogo claro
Uma casa feliz se acaricia…
Basta-lhe luz e basta-lhe harmonia
Para ela nĂŁo ficar ao desamparo.

O Sentimento, quando Ă© nobre e raro,
Veste tudo de cândida poesia…
Um bem celestial dele irradia,
Um doce bem, que nĂŁo Ă© parco e avaro.

Um doce bem que se derrama em tudo,
Um segredo imortal, risonho e mudo,
Que nos leva debaixo da sua asa.

E os nossos olhos ficam rasos d’água
Quando, rebentos de uma oculta mágoa,
São nossos filhos todo o céu da casa.

Alma Antiga

Põe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos páramos faísca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.

Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
Ă€ luz da aurora que dos altos risca
De listrões d’ouro a vastidĂŁo deserta.

Vai por abril em flores gorgeando
Como pássaro exul as canções leves
Que os ventos vão nas árvores deixando.

E tira da tua alma, Ăł doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!