Sonetos sobre Luar de Cruz e Souza

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Sonetos de luar de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Sonho Branco

De linho e rosas brancas vais vestido,
Sonho virgem que cantas no meu peito!…
És do Luar o claro deus eleito,
Das estrelas purĂ­ssimas nascido.

Por caminho aromal, enflorescido,
Alvo, sereno, lĂ­mpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido…

As aves sonorizam-te o caminho…
E as vestes frescas, do mais puro linho
E as rosas brancas dĂŁo-te um ar nevado…

No entanto, Ó Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado!

Primeira ComunhĂŁo

Grinaldas e véus brancos, véus de neve,
VĂ©us e grinaldas purificadores,
VĂŁo as Flores carnais, as alvas Flores
Do Sentimento delicado e leve.

Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos e de prĂŽnubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parĂĄbolas descreve…

Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
Na comunhĂŁo das nĂ­veas hĂłstias frias…

Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volĂșpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias…

Doce Abismo

Coração, coração! a suavidade,
Toda a doçura do teu nome santo
É como um cálix de falerno e pranto,
De sangue, de luar e de saudade.

Como um beijo de mĂĄgoa e de ansiedade,
Como um terno crepĂșsculo d’encanto,
Como uma sombra de celeste manto,
Um soluço subindo a Eternidade.

Como um sudĂĄrio de Jesus magoado,
Lividamente morto, desolado,
Nas auréolas das flores da amargura.

Coração, coração! onda chorosa,
Sinfonia gemente, dolorosa,
Acerba e melancólica doçura.

VisĂŁo

Noiva de SatanĂĄs, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonùmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixÔes, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das IlusÔes tantålico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂȘ bendita!

Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

VisĂŁo Medieva

Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.

Nas armaduras rĂ­gidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visÔes, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.

O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.

NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frĂȘmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.

Ambos

VĂŁo pela estrada, Ă  margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os lĂ­mpidos luares
DĂŁo Ă s verduras leves tons de arminhos.

Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridĂŁo dos ares,
Dentre as cançÔes e os tropos singulares
Dos inefĂĄveis, meigos passarinhos.

Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.

E com o olhar vibrante de desejos
VĂŁo decifrando os trĂȘmulos arpejos,
E as reticĂȘncias que produz o vago.

PlenilĂșnio

VĂȘs este cĂ©u tĂŁo lĂ­mpido e constelado
E este luar que em fĂșlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotĂ”es de prata…
VĂȘs este cĂ©u de mĂĄrmore azulado…

VĂȘs este campo intĂ©rmino, encharcado
Da luz que a lua aos pĂĄramos desata…
VĂȘs este vĂ©u que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado…

VĂȘs estes rios, tĂŁo fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
VĂȘs estes rios cheios de ardentias…

VĂȘs esta mole e transparente gaze…
Pois Ă©, como isso me parecem quase
Iguais, assim, Ă s nossas alegrias!

Luar

Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂ­midas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.

Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.

Rasga o silĂȘncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefĂĄveis, espontĂąneos jorros

Esbate o luar, de forma admirĂĄvel,
Claro, bondoso, elétrico, saudåvel,
Na curvilĂ­nea compridĂŁo dos mortos.

Celeste

Aos coraçÔes ideais

Lembra-me ainda — ao lado de um repuxo,
Pela brancura de um luar de agosto,
O teu maninho, um loiro pequerrucho
Brincava, rindo, te afagando o rosto…

Lembra-me ainda — as sombras do sol posto,
Numa saleta sem brasÔes de luxo,
De alguns bordados de fineza e gosto
Delineavas o gentil debuxo…

E o gĂĄs que forte e cintilante ardia,
Te iluminava, te alagava… ria…
Da luz ficavas no imponente abrigo.

E agora… deixa que ao cair da noite,
Esta lembrança dentro de mim se acoite,
Como a andorinha no telhado amigo!

A Freira Morta

(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressĂ”es das cinzas frias…

Pelas negras abĂłbadas sombrias
Donde pende uma lĂąmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro apĂłs se estende…
E no luar da lĂąmpada que pende
Brilham clarĂ”es de amores condenados…

Como que vem do tĂșmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mĂĄrmores sagrados!

Satanismo

NĂŁo me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
NĂŁo me deixes a razĂŁo vagar confusa
Ao relĂąmpago ideal de teus olhares.

NĂŁo me olhes, oh! nĂŁo, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas — doido, imenso
Tem a rĂĄpida explosĂŁo dos aneurismas.

NĂŁo me olhes. Oh! nĂŁo, que o prĂłprio inferno
ProblemĂĄtico, fatal, cĂĄlido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!…

NĂŁo me olhes, oh! nĂŁo, que m’entolece
Tanta luz, tanto sol — e atĂ© parece
Que tens mĂșsicas cruĂ©is dentro do olhar!…

Amor

Nas largas mutaçÔes perpétuas do universo
O amor Ă© sempre o vinho enĂ©rgico, irritante…
Um lago de luar nervoso e palpitante…
Um sol dentro de tudo altivamente imerso.

NĂŁo hĂĄ para o amor ridĂ­culos preĂąmbulos,
Nem mesmo as convençÔes as mais superiores;
E vamos pela vida assim como os noctĂąmbulos
Ă  fresca exalação salĂșbrica das flores…

E somos uns completos, célebres artistas
Na obra racional do amor — na heroicidade,
Com essa intrepidez dos sĂĄbios transformistas.

Cumprimos uma lei que a seiva nos dirige
E amamos com vigor e com vitalidade,
A cor, os tons, a luz que a natureza exige!…

Dormindo

PĂĄlida, bela, escultural, clorĂłtica
Sobre o divĂŁ suavĂ­ssimo deitada,
Ela lembrava — a pĂĄlpebra cerrada —
Uma ilusĂŁo esplendida de Ăłtica.

A peregrina carnação das formas,
— o sensual e lĂ­mpido contorno,
Tinham esse quĂȘ de avĂ©rnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…

Ela dormia como a VĂȘnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…

Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…

O Grande Sonho

Sonho profundo, Ăł Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trĂȘmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarĂŁo radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe Ă s estrelas rĂștilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das AmplidÔes austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

Encarnação

Carnais, sejam carnais tantos desejos,
Carnais, sejam carnais tantos anseios,
PalpitaçÔes e frĂȘmitos e enleios,
Das harpas da emoção tantos arpejos…

Sonhos, que vĂŁo, por trĂȘmulos adejos,
A noite, ao luar, intumescer os seios
LĂĄcteos, de finos e azulados veios
De virgindade, de pudor, de pejos…

Sejam carnais todos os sonhos brumos
De estranhos, vagos, estrelados rumos
Onde as VisĂ”es do amor dormem geladas…

Sonhos, palpitaçÔes, desejos e ùnsias
Formem, com claridades e fragrĂąncias,
A encarnação das lívidas Amadas!

Noiva Da Agonia

TrĂȘmula e sĂł, de um tĂșmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por tĂșmulos dormindo…

A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre aureolas de clarÔes prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…

NĂŁo Ă©s, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da IlusĂŁo governa…

Mas ah! Ă©s da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!

Em Sonhos

Nos Santos Ăłleos do luar, floria
Teu corpo ideal, com o resplendor da Helade…
E em toda a etérea, branda claridade
Como que erravam fluidos de harmonia…

As Águias imortais da Fantasia
Deram-te as asas e a serenidade
Para galgar, subir a Imensidade
Onde o clarĂŁo de tantos sĂłis radia.

Do espaço pelos límpidos velinos
Os Astros vieram claros, cristalinos,
Com chamas, vibraçÔes, do alto, cantando…

Nos santos Ăłleos do luar envolto
Teu corpo era o Astro nas esferas solto,
Mais SĂłis e mais Estrelas fecundando!

Musica Misteriosa

Tenda de Estrelas nĂ­veas, refulgentes,
Que abris a doce luz de alampadĂĄrios,
As harmonias dos Estradivarius
Erram da Lua nos clarĂ”es dormentes…

Pelos raios fluĂ­dicos, diluentes
Dos Astros, pelos trĂȘmulos velĂĄrios,
Cantam Sonhos de mĂ­sticos templĂĄrios,
De ermitĂ”es e de ascetas reverentes…

Cùnticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos Azuis etéreos,
Dentre os nevoeiros do luar fluindo…

E vai, de Estrela a Estrela, a luz da Lua,
Na lĂĄctea claridade que flutua,
A surdina das lĂĄgrimas subindo…

O Cego Do Harmonium

Esse cego do harmonium me atormenta
E atormentando me seduz, fascina.
A minh’alma para ele vai sedenta
Por falar com a sua alma peregrina.

O seu cantar nostĂĄlgico adormenta
Como um luar de mĂłrbida neblina.
O harmonium geme certa queixa lenta,
Certa esquisita e lĂąnguida surdina.

Os seus olhos parecem dois desejos
Mortos em flor, dois luminosos beijos
Fanados, apagados, esquecidos…

Ah! eu nĂŁo sei o sentimento vĂĄrio
Que prende-me a esse cego solitĂĄrio,
De olhos aflitos como vĂŁos gemidos!

IrradiaçÔes

Às crianças

Qual da amplidĂŁo fantĂĄstica e serena
À luz vermelha e rĂștila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cùndida açucena.

Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lågrima sonora
Caia, rolou, qual bĂĄlsamo que irrora
A negra mĂĄgoa, a indefinida pena…

Caia por vĂłs, esplĂȘndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;

Caia por vĂłs, as mĂșsicas formosas,
Como um dilĂșvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!