Sonetos sobre IlusĂŁo de Cruz e Souza

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Exortação

Corpo crivado de sangrentas chagas,
Que atravessas o mundo soluçando,
Que as carnes vais ferindo e vais rasgando
Do fundo d’IlusĂ”es velhas e vagas.

Grande isolado das terrestres plagas,
Que vives as Esferas contemplando,
Braços erguidos, olhos no ar, olhando
A etérea chama das Conquistas magas.

Se Ă© de silĂȘncio e sombra passageira,
De cinza, desengano e de poeira
Este mundo feroz que te condena,

Embora ansiosamente, amargamente
Revela tudo o que tu’alma sente
Para ela entĂŁo poder ficar serena!

Requiescat

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memĂłria,
Dorme tranqĂŒila no esplendor da glĂłria,
Longe das amarguras do cansaço…

IlusĂŁo, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flĂłrea,
Quando as visÔes da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…

Ó Ilusão! Estranha caravana
de åguias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarĂŁo do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…

IlusÔes Mortas

A VirgĂ­lio VĂĄrzea

Os meus amores vĂŁo-se mar em fora,
E vĂŁo-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores nĂŁo virĂŁo agora,
NĂŁo baterĂŁo as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusĂ”es, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudoso

No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.

Ermida

LĂĄ onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como estĂĄ tĂŁo pobre,
Aquela ermida como estĂĄ tĂŁo triste.

A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovÔes resiste

E as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.

Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusÔes da sorte.

VisĂŁo

Noiva de SatanĂĄs, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonùmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixÔes, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das IlusÔes tantålico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂȘ bendita!

Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

Clamando

BĂĄrbaros vĂŁos, dementes e terrĂ­veis
Bonzos tremendos de ferrenho aspeto,
Ah! deste ser todo o clarĂŁo secreto
Jamais pĂŽde inflamar-vos, ImpassĂ­veis!

Tantas guerras bizarras e incoercĂ­veis
No tempo e tanto, tanto imenso afeto,
SĂŁo para vĂłs menos que um verme e inseto
Na corrente vital pouco sensĂ­veis.

No entanto nessas guerras mais bizarras
De sol, clarins e rĂștilas fanfarras,
Nessas radiantes e profundas guerras…

As minhas carnes se dilaceraram
E vão, das IlusÔes que flamejaram,
Com o prĂłprio sangue fecundando as terras…

Campesinas IV

Através das romãzeiras
E dos pomares floridos
Ouvem-se as vezes ruĂ­dos
E bater d’asas ligeiras.

SĂŁo as aves forasteiras
Que dos seus ninhos queridos
VĂȘm dar ali os gemidos
Das ilusÔes passageiras.

VĂȘm sonhar leves quimeras,
IdĂ­lios de primaveras,
Contar os risos e os males.

VĂȘm chorar um seio de ave
Perdida pela suave
CarĂ­cia verde dos vales.

Imortal Falerno

Quando as Esferas da IlusĂŁo transponho
Vejo sempre tu’alma – essa galera
Feita das rosas brancas da Quimera,
Sempre a vagar no estranho mar do Sonho.

Nem aspecto nublado nem tristonho!
Sempre uma doce e constelada Esfera,
Sempre uma voz clamando: – espera, espera,
Lå do fundo de um céu sempre risonho.

Sempre uma voz dos Ermos, das DistĂąncias!
Sempre as longĂ­nquas, mĂĄgicas fragrĂąncias
De uma voz imortal, divina,pura…

E tua boca, Sonhador eterno,
Sempre sequiosa desse azul falerno
Da Esperança do céu que te procura!

Ironia De LĂĄgrimas

Junto da Morte Ă© que floresce a Vida!
Andamos rindo junto Ă  sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova Ă© como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lĂșgubrees e tredas
Das ilusÔes o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vĂŁos, mundos risonhos,
LĂĄ vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!

Mocidade

Ah! esta mocidade! — Quem Ă© moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusÔes, da crença mais florida
Na muscular artĂ©ria de Colosso…

Das incertezas nunca mede o poço…
Asas abertas — na amplidĂŁo da vida,
PĂĄramo a dentro — de cabeça erguida,
VĂȘ do futuro o mais alegre esboço…

Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compĂȘndio…

Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incĂȘndio!

Supremo Anseio

Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂ­rito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.

Abre-se em mim esse clarĂŁo, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.

Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existĂȘncia de ilusĂ”es cravada
Eu veja sempre refulgir bem perto

Esse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.

Dormindo

PĂĄlida, bela, escultural, clorĂłtica
Sobre o divĂŁ suavĂ­ssimo deitada,
Ela lembrava — a pĂĄlpebra cerrada —
Uma ilusĂŁo esplendida de Ăłtica.

A peregrina carnação das formas,
— o sensual e lĂ­mpido contorno,
Tinham esse quĂȘ de avĂ©rnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…

Ela dormia como a VĂȘnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…

Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…

As Estrelas

Lå, nas celestes regiÔes distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
LĂĄ, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusÔes insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiÔes humanas?!

Ocasos

Morrem no Azul saudades infinitas
MistĂ©rios e segredos inefĂĄveis…
Ah! Vagas ilusÔes imponderåveis,
Esperanças acerbas e benditas.

Ânsias das horas místicas e aflitas,
De horas amargas das interminĂĄveis
CogitaçÔes e agruras insondåveis
De febres tredas, trĂĄgicas, malditas.

CogitaçÔes de horas de assombro e espanto
Quando das almas num relevo santo
Fulgem de outrora os sonhos apagados.

E os bracos brancos e tentaculosos
Da Morte, frios, ĂĄlgidos, nervosos,
Abrem-se pare mim torporizados.

Noiva Da Agonia

TrĂȘmula e sĂł, de um tĂșmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por tĂșmulos dormindo…

A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre aureolas de clarÔes prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…

NĂŁo Ă©s, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da IlusĂŁo governa…

Mas ah! Ă©s da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!

RĂ©quiem Do Sol

Águia triste do Tédio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusĂ”es as trĂȘmulas coortes
Buscam a luz do teu clarĂŁo magoado…

A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhÔes de mortes
Passa em tropel de trĂĄgicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangĂŒentado…

Do alto dominas vastidÔes supremas
Águia do Tédio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…

Mas lĂĄ, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!

To Sleep, To Dream

Dormir, sonhar — o poeta inglĂȘs o disse…
Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse
Ah! Mas se a gente nunca mais dormisse
E a ilusÔes não mais acalentasse?

E o que importava que o futuro risse
De um visionĂĄrio que tal cousa ideasse;
Se nĂŁo seria o Ășnico que abrisse
Uma exceção da vida humana Ă  face?…

Se os imortais filĂłsofos modernos
Que derrubaram todos os infernos,
Que destruĂ­ram toda a teogonia.

Orientando a triste humanidade,
Deixaram, mais e mais, a piedade
Inteiramente desolada e fria?