Sonetos sobre Velhos de Cruz e Souza

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Exortação

Corpo crivado de sangrentas chagas,
Que atravessas o mundo soluçando,
Que as carnes vais ferindo e vais rasgando
Do fundo d’Ilusões velhas e vagas.

Grande isolado das terrestres plagas,
Que vives as Esferas contemplando,
Braços erguidos, olhos no ar, olhando
A etérea chama das Conquistas magas.

Se é de silêncio e sombra passageira,
De cinza, desengano e de poeira
Este mundo feroz que te condena,

Embora ansiosamente, amargamente
Revela tudo o que tu’alma sente
Para ela então poder ficar serena!

Sentimento Esquisito

Ó céu estéril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

Pátria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidável muralha de mistério
Que deixa os corações desconsolados.

Céu imóvel milênios e milênios,
Tu que iluminas a visão dos Gênios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

Vozinha

Velha, velhinha, da doçura boa
De uma pomba nevada, etérea, mansa.
Alma que se ilumina e se balança
Dentre as redes da Fé que nos perdoa.

Cabeça branca de serena leoa,
Carinho, amor, meiguice que não cansa,
Coração nobre sempre como a lança
Que não vergue, não fira e que não doa.

Olhos e voz de castidades vivas,
Pão ázimo das Páscoas afetivas,
Simples, tranqüila, dadivosa, franca.

Morreu tal qual vivera, mansamente,
Na alvura doce de uma luz algente,
Como que morta de uma morte branca.

Falando Ao Céu

Falas ao Céu, Amor! Em vão tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele é branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.

A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.

Sempre surdo, hoje o céu é mudo, é cego…
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tão cego vou por entre abrolhos.

Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos…

Ao Estrídulo Solene Dos Bravos

– Os Trópicos pulando as palmas batem…
Em pé nas ondas – O Equador dá vivas!…

Ao estrídulo solene dos bravos! das platéias,
Prossegues altaneira, oh! ídolo da arte!…
– O sol pára o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idéias.

A velha natureza escreve-te odisséias…
A estrela, a nívea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!

Perpassam vagos sons na harpa do mistério
Lá, quando no proscênio te ergues imperando
– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidério!

Então da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…

A Morte

Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trêmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como faróis da humana Desventura.

Descem então aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

Velho

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepúsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos círculos governa.

Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!

Um Dia Guttemberg

Um dia Guttemberg c’o a alma aos céus suspensa,
Pegou do escopro ingente e pôs-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!

Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pó, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o céu, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrível treva densa!…

Ergueram-se mil povos ao som das melopéias,
Das grandes cavatinas olímpicas da arte!
Raiou o novo sol das fúlgidas idéias!…

Porém, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…

O Grande Sonho

Sonho profundo, ó Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trêmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe às estrelas rútilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

Velhas Tristezas

Diluências de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.

Murmúrios incógnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões — voz impoluta
De sodas as titânicas grandezas.

Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
Na luz de eternos sóis glorificadas.

Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vão embora
No poente da Saudade amortalhadas!…

Anima Mea

Ó minh’alma, ó minh’alma, ó meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!

Estrada ideal de São Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde é que vem toda esta mágoa fina
Que é, no entanto, consolo e que eu bendigo?

De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluída e sempiterna mágoa?

Ah! de onde vem toda essa estranha essência
De tanta misteriosa Transcendência
Que estes olhos me dixam rasos de água?!

O Mar

Que nostalgia vem das tuas vagas,
Ó velho mar, ó lutador Oceano!
Tu de saudades íntimas alagas
O mais profundo coração humano.

Sim! Do teu choro enorme e soberano,
Do teu gemer nas desoladas plagas
Sai o quer que é, rude sultão ufano,
Que abre nos peitos verdadeiras chagas.

Ó mar! ó mar! embora esse eletrismo,
Tu tens em ti o gérmen do lirismo,
És um poeta lírico demais.

E eu para rir com humor das tuas
Nevroses colossais, bastam-me as luas
Quando fazem luzir os seus metais…

25 De Março

25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o Ceará

Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na órbita traçada — de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciência — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de heróis — presentes pelo dorso
À rubra luz da glória — enquanto voa e zumbe.

O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.

Eternidade Retrospectiva

Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e só, por olímpicas Esferas,
onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.

Fundas regiões do Pranto e do Gemido
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trêmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.

As estrelas, longínquas e veladas,
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarão muito leve de saudade.

Eu me recordo d’imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!

Celeste

Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.

Asas tinhas também, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!

Depois, então, fizeste-te menina,
Visão de amor, puríssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.

Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.

Alma Antiga

Põe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos páramos faísca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.

Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
À luz da aurora que dos altos risca
De listrões d’ouro a vastidão deserta.

Vai por abril em flores gorgeando
Como pássaro exul as canções leves
Que os ventos vão nas árvores deixando.

E tira da tua alma, ó doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!

Réquiem Do Sol

Águia triste do Tédio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusões as trêmulas coortes
Buscam a luz do teu clarão magoado…

A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhões de mortes
Passa em tropel de trágicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangüentado…

Do alto dominas vastidões supremas
Águia do Tédio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…

Mas lá, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!

Coração Confiante

O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo…
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no Caminho.

Vai no alvoroço, no celeste vinho
Da luz os bosques acordando cedo,
Quando de cada trêmulo arvoredo
Parte o sonoro e matinal carinho.

E o Coração vai nobre e vai confiante,
Festivo como a flâmula radiante
Agitada bizarra pelos ventos…

Vai palpitando, ardente, emocionado
O velho Coração arrebatado,
Prerso por loucos arrebatamentos!

Alucinação

Ó solidão do Mar, ó amargor das vagas,
Ondas em convulsões, ondas em rebeldia,
Desespero do Mar, furiosa ventania,
Boca em fel dos tritões engasgada de pragas.

Velhas chagas do sol, ensangüentadas chagas
De ocasos purpurais de atroz melancolia,
Luas tristes, fatais, da atra mudez sombria
Da trágica ruína em vastidões pressagas.

Para onde tudo vai, para onde tudo voa,
Sumido, confundido, esboroado, à-toa,
No caos tremendo e nu dos tempo a rolar?

Que Nirvana genial há de engolir tudo isto –
– Mundos de Inferno e Céu, de Judas e de cristo,
Luas, chagas do sol e turbilhões do Mar?!

No Egito

Sob os ardentes sóis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhão desfila,
Abre as asas no páramo infinito.

O Egito é sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqüila
A alma descansa do sofrer prescrito.

Sobre as ruínas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana…

E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a própria dor humana!