Povo
Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia…
Mas a tua vida, não!Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão…
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços…
Mas a tua vida, não!Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama…
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las…
Mas a tua vida, não!Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Passagens sobre Sagrado
208 resultadosAsas Abertas
As asas da minh’alma estão abertas!
Podes te agasalhar no meu Carinho,
Abrigar-te de frios no meu Ninho
Com as tuas asas trêmulas, incertas.Tu’alma lembra vastidões desertas
Onde tudo é gelado e é só espinho.
Mas na minh’alma encontrarás o Vinho
e as graças todas do Conforto certas.Vem! Há em mim o eterno Amor imenso
Que vai tudo florindo e fecundando
E sobe aos céus como sagrado incenso.Eis a minh’alma, as asas palpitando
Com a saudade de agitado lenço
o segredo dos longes procurando…
Respiro e Vejo
Respiro e vejo. A noite e cada sol
vão rompendo de mim a todo o instante,
tarde e manhã que são tecido tempo,
chuva e colheita. O céu, repouso e vento.Vergel de aves. Vou entre viveiros,
a caçar com o olhar, passarinhagem
dos pequeninos sóis e das estrelas
que emigram neste céu de goiabeiras.mas sigo a jardinagem, podo o tempo,
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo,
as florações da luz e da cegueira.E, no dia, suspensa cachoeira,
neste jogo sagrado, vivo e vejo
o que veio em meus olhos desenhado.
Em Teu Crespo Jardim Anêmonas Castanhas
Cada pétala ou sépala seja lentamente
acariciada, céu; e a vista pouse,
beijo abstrato, antes do beijo ritual,
na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado
Camões II
Quando, transposta a lúgubre morada
Dos castigos, ascende o florentino
A região onde o clarão divino
Enche de intensa luz a alma nublada,A saudosa Beatriz, a antiga amada,
A mão lhe estende e guia o peregrino,
E aquele olhar etéreo e cristalino
Rompe agora da pálpebra sagrada.Tu que também o Purgatório andaste
Tu que rompeste os círculos do Inferno,
Camões, se o teu amor fugir deixaste,Ora o tens. como um guia alto e superno
Que a Natércia da vida que choraste
Chama-se Glória e tem o amor eterno.
O Meu Cachimbo
Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.Vejo passar a minha vida,
Como n’um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama…Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d’Anto, aonde eu moro!
Alli, mettido no buraco,
Fumo e, a fumar, ás vezes… choro.Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo…
Os meus amigos onde estão?Não sei. Tral-os-á o «nevoeiro»…
Os trez, os intimos, Aquelles,
Estão na Morte, no extrangeiro…
Dos mais não sei, perdi-me d’elles.Morreram-me uns. Por elles peço
A Deus, quando está de maré:
E, ás noites,
Ausente o encanto antes cultivado, percebo o mecanismo indiferente, que teima em resgatar sem confiança a essência do delito então sagrado.
Povo que lavas no rio
Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida nãoFui ter à mesa redonda
Beber em malga que esconda
Um beijo de mão em mão
Era o vinho que me deste
Água pura em fruto agreste
Mas a tua vida nãoAromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição
Povo, povo eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso
Mas a tua vida não
Nunca deixe de se interessar pelo Sagrado
Horas De Sombra
Horas de sombra, de silêncio amigo
Quando há em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nós o seu perfil antigo.Horas que o coração não vê perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.Horas da compaixão e da clemência,
Dos segredos sagrados da existência,
De sombras de perdão sempre benditas.Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.
… o sagrado instinto de não ter teorias…
A Minha Avó
Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias…
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias…
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!Minh’alma vai cantar… Transforma o seio
N’um cofre santo de carícias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro… –Eu quero vê-lo, em desejada calma,
No rico santuário de tu’alma…
– Hóstia guardada n’um cibório de ouro! –
Mesmo os maus livros são livros, e por isso são sagrados.
Regressar à Inocência
Seja como as crianças, mantenha os olhos abertos, sem preconceitos escondidos atrás da vista. Se olhar com clareza, pequenas flores, ou pedaços de relva, ou borboletas, ou um pôr do Sol proporcionar-lhe-ão tanta felicidade quanto a que Gautama Buda encontrou na sua iluminação. Isto não depende das coisas, mas sim da sua abertura. O conhecimento fecha-o; transforma-se numa cerca, numa prisão. Mas a inocência abre todas as portas e todas as janelas.
O sol entra e uma brisa fresca flui.
De repente, o perfume das flores faz-lhe uma visita.
E de vez em quando um pássaro virá cantar uma canção e entrar por outra janela.
A inocência é a única religiosidade que existe.
A religiosidade não depende das escrituras sagradas nem do que se sabe sobre o mundo. Só depende de se estar preparado para ser como um espelho límpido, que nada reflecte.
Um total silêncio, inocência, pureza… e toda a existência é transformada para si. Cada momento passa a ser de êxtase. As pequenas coisas, como beber uma chávena de chá, tornam-se orações tão poderosas que nenhuma outra oração se lhes pode comparar. Basta observar uma nuvem a mover-se livremente no céu, e da inocência surge uma sincronicidade.
No Egito
Sob os ardentes sóis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhão desfila,
Abre as asas no páramo infinito.O Egito é sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqüila
A alma descansa do sofrer prescrito.Sobre as ruínas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana…E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a própria dor humana!
Eleitor, n. Indivíduo que goza do privilégio sagrado de votar numa pessoa que foi escolhida por outra pessoa.
Todas as religiões são a verdade sagrada para quem tem a fé mas não passam de fantasia para os fiéis das outras religiões.
Se Pudesses Estar Comigo Vinte e Quatro horas do Dia
Se pudesses estar comigo durante as vinte e quatro horas do dia, observar cada gesto meu, dormir comigo, comer comigo, trabalhar comigo, tudo isto não poderia ter lugar. Quando me vejo afastado de ti, penso em ti constantemente e isso dá cor a tudo o que eu diga ou faça. Se soubesses o quão fiel te sou! Não apenas fisicamente, mas mentalmente, moralmente, espiritualmente. Aqui não há qualquer tentação para mim, absolutamente nenhuma. Estou imune a Nova Iorque, aos meus velhos amigos, ao passado, a tudo. Pela primeira vez na minha vida, estou completamente centrado em outro ser… Em ti. Sinto-me capaz de dar tudo, sem ter medo de ficar exaurido ou de me ver perdido. Quando ontem escrevi no meu artigo que «se eu nunca tivesse ido para a Europa…», não era a Europa que tinha em mente, mas sim tu.
Mas não posso dizer isso ao mundo num artigo. Tu és a Europa. Pegaste em mim, um homem despedaçado, e tornaste-me completo. E não hei-de desintegrar-me — não existe o menor perigo disso. Mas agora vejo-me mais sensível, mais receptivo a qualquer sinal de perigo. Se te persigo loucamente, se te imploro para ouvires, se fico à tua porta e espero por ti,
O Coração
O coração é a sagrada pira
Onde o mistério do sentir flameja.
A vida da emoção ele a deseja
como a harmonia as cordas de uma lira.Um anjo meigo e cândido suspira
No coração e o purifica e beija…
E o que ele, o coração, aspira, almeja
É o sonho que de lágrimas delira.É sempre sonho e também é piedade,
Doçura, compaizão e suavidade
E graça e bem, misericórdia pura.Uma harmonia que dos anjos desce,
Que como estrela e flor e som floresce
Maravilhando toda criatura!
O Livro
Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.
Em «César e Cleópatra» de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso e também algo mais: a imaginação. Pois o que é o nosso passado senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Tal é a função que o livro realiza.
(…) Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo o tempo que transcorreu até nós desde o dia em que ele foi escrito. Por isso convém manter o culto do livro. O livro pode estar cheio de coisas erradas, podemos não estar de acordo com as opiniões do autor, mas mesmo assim conserva alguma coisa de sagrado, algo de divino, não para ser objecto de respeito supersticioso, mas para que o abordemos com o desejo de encontrar felicidade,