Textos sobre Espírito

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Textos de espírito escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Liberdade e Constrangimento São Dois Aspectos da Mesma Necessidade

Liberdade e constrangimento são dois aspectos da mesma necessidade, que é ser aquele e não um outro. Livre de ser aquele, não livre de ser um outro. (…) Não há quem o não saiba. Os que reclamam a liberdade reclamam a moral interior, para que nem assim o homem deixe de ser governado. O gendarme – dizem eles de si para si – está no interior. E os que solicitam a coacção afirmam-te que ela é liberdade de espírito. Tu, na tua casa, tens a liberdade de atravessar as antecâmaras, de medir a passos largos as salas, uma por uma, de empurrar as portas, de subir ou descer as escadas. E a tua liberdade cresce à medida que aumentam as paredes e as peias e os ferrolhos. E dispões de um número tanto maior de actos possíveis onde escolher aquele que hás-de praticar, quantas mais obrigações te impôs a duração das tuas pedras. E, na sala comum, onde assentas arraiais no meio da desordem, deixas de dispor de liberdade, passa a haver dissolução.
E, afinal de contas, todos sonham com uma e a mesma cidade. Mas um reclama para o homem, tal como ele é, o direito de agir.

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O Inventário da Nossa Civilização

Fazer o inventário ou uma análise da nossa civilização, quer dizer o quê? Procurar esclarecer, de uma maneira rigorosa, a armadilha que fez do homem escravo das suas próprias criações. Por onde se infiltrou a inconsciência entre a acção e o pensamento metódicos? Na vida selvagem, a evasão constitui uma solução preguiçosa. É preciso reencontrar, na própria civilização em que vivemos, o pacto original entre o espírito e o mundo. De resto, trata-se de uma tarefa impossível de concretizar, por causa da brevidade da vida e da impossibilidade da colaboração e da sucessão. O que não é razão para não a empreender. Estamos todos em situação análoga à de Sócrates, o qual, enquanto esperava a morte na prisão, aprendeu a tocar lira… pelo menos, teremos vivido…

Da Liberdade

A: Eis uma bateria de canhões que atira junto aos nossos ouvidos; tendes a liberdade de ouvi-la e de a não ouvir?
B: É claro que não posso evitar ouvi-la.
A: Desejaríeis que esse canhão decepasse a vossa cabeça e as da vossa mulher e da vossa filha que estivessem convosco?
B: Que espécie de proposição me fazeis? Eu jamais poderia, no meu são juízo, desejar semelhante coisa. Isso é-me impossível.
A: Muito bem; ouvis necessariamente esse canhão e, também necessariamente, não quereis morrer, vós e a vossa família, de um tiro de canhão; não tendes nem o poder de não o ouvir nem o poder de querer permanecer aqui.
B: Isso é evidente.
A: Em consequência, destes uma trintena de passos a fim de vos colocardes ao abrigo do canhão: tivestes o poder de caminhar comigo estes poucos passos?
B: Nada mais verdadeiro.
A: E se fôsseis paralítico? Não teríeis podido evitar ficar exposto a essa bateria; não teríeis o poder de estar onde agora estais: teríeis então necessariamente ouvido e recebido um tiro de canhão e necessariamente estaríeis morto?
B: Nada mais claro.
A: Em que consiste, pois,

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Estou Cheia de Ti esta Noite

Estou cheia de ti esta noite, Henry, e triste porque preferiria muito mais ir embora contigo. Percebi hoje, quando falaste no meu enxoval, que, relativamente a tudo o que compro, fico a pensar se tu gostarias. Não me pergunto se o meu pai gostaria. Estou terrivelmente longe do meu passado e terrivelmente perto de ti. Tocou-me que tenhas achado o café duplamente bom. Tudo será duplamente bom nas nossas férias.

Estou realmente esfomeada pelas nossas férias. Teria sido demasiado feminino da minha parte querer ver-te todos os dias, porque senti que o teu estado de espírito estava acinzentado, e eu queria que flutuasses outra vez. Não te quero torturado… nem por uma constipação!
No sábado vamos sair e escolhemos discos juntos, okay?
Envia-me a minha carta “Auto-Retrato” que eu deixei.

Lembra-te das últimas palavras de Lawrence no Apocalypse… Algo sobre estar de bem com o Sol. Que bem trará o Sol para mim? O Sol está bem para o homem, o criador, o macho cósmico, etc. A mulher é tão terrivelmente pessoal que até o Sol deve encarnar num homem. No Henry, para mim.

Pensar Portugal

Pensar Portugal é pensá-lo no que ele é e não iludirmo-nos sobre o que ele é. Ora o que ele é é a inconsciência, um infantilismo orgânico, o repentismo, o desequilíbrio emotivo que vai da abjecção e lágrima fácil aos actos grandiosos e heróicos, a credulidade, o embasbacamento, a difícil assumpção da própria liberdade e a paralela e cómoda entrega do próprio destino às mãos dos outros, o mesquinho espírito de intriga, o entendimento e valorização de tudo numa dimensão curta, a zanga fácil e a reconciliação fácil como se tudo fossem rixas de família, a tendência para fazermos sempre da nossa vida um teatro, o berro, o espalhafato, a desinibição tumultuosa, o despudor com que exibimos facilmente o que devia ficar de portas adentro, a grosseria de um novo-rico sem riqueza, o egoísmo feroz e indiscreto balanceado com o altruísmo, se houver gente a ver ou a saber, a inautenticidade visível se queremos subir além de nós, a superficialidade vistosa, a improvisação de expediente, o arrivismo, a trafulhice e o gozo e a vaidade de intrujar com a nossa «esperteza saloia», o fatalismo, a crendice milagreira, a parolice. Decerto, temos também as nossas virtudes. Mas, na sua maioria, elas têm a sua raiz nestas misérias.

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Os Livros Não São Coisas Mortas

Porque os livros não são de todo coisas mortas (…) preservando, como um frasco, a mais pura extracção do intelecto que os criou. Sei que são tão vivos e vigorosamente produtivos como os fabulosos dentes de um dragão e sendo fomentados podem unir homens armados. Por outro lado, a não ser que se use de toda a prudência, destruir um bom homem é quase o mesmo que destruir um bom livro; quem destrói um homem destrói uma criatura razoável; mas aquele que destrói um bom livro destrói a própria razão, destrói a imagem de Deus. Muitos homens constituem um fardo para o mundo; mas um bom livro é a encarnação preciosa de um espírito superior, conservado e estimado com o objectivo de viver para além da morte.

A Vantagem do Conhecimento Alargado

No que se refere ao espírito dotado de capacidades elevadas – o único que pode ousar a solução dos grandes e difíceis problemas concernentes ao universal e geral das coisas -, ele fará bem em estender o máximo possível o seu horizonte, mas sempre com equanimidade, para todos os lados, sem se perder muito numa dessas regiões bem específicas e conhecidas apenas por poucos. Ou seja, sem penetrar demasiado profundamente nas especialidades de alguma ciência isolada, muito menos envolver-se com a micrologia. Pois não tem necessidade de se dedicar a objectos de difícil acesso para livrar-se da multidão de concorrentes; pelo contrário, justamente aquilo que está ao alcance de todos é o que fornecerá a matéria para combinações novas, importantes e verdadeiras. Desse modo, o seu mérito poderá ser apreciado por todos os que conhecem os dados, portanto, por uma boa parte do género humano. Nisso reside a imensa diferença entre a glória que os poetas e os filósofos alcançam e aquela acessível a físicos, químicos, anatomistas, mineralogistas, zoólogos, filólogos, historiadores, etc.

O Passado é Tão Importante Quanto o Presente, e Vice-Versa

Assim como não se poderão compreender coisas novas e jovens, sem se familiarizar com a tradição, assim deverá o amor às antigas permanecer estéril e falso, se nos fecharmos no espírito novo, que delas provém, segundo uma necessidade histórica.

Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma

Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões.
Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu.

Nós Queimaremos o Mundo, Querida

Diz a Madame de Stael que os primeiros amores não são os mais fortes porque nascem simplesmente da necessidade de amar. Assim é comigo; mas, além dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como o teu são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão recta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias (…). Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir, e pensar. Como te não amaria eu? Além disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste. É minha ambição dizer à tua grande alma desanimada: «levanta-te, crê e ama: aqui está uma alma que te compreende e te ama também».
A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou certo que saberei desempenhar este agradável encargo. Olha, querida; também eu tenho pressentimento acerca da minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz?
Obrigado pela flor que mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse a ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume,

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Retrato de Mónica

Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.

A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível.

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A Liberdade é a Possibilidade do Isolamento

A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre.
E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti, se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.

O Apogeu do Cobarde

Havia num partido um homem, que era demasiado medroso e cobarde para, alguma vez, contradizer os seus camaradas: empregavam-no para todos os serviços, exigiam tudo dele, porque ele tinha mais medo da má opinião dos seus camaradas que da morte; era um lamentável espírito fraco. Eles reconheceram isso e fizeram dele, em virtude das circunstâncias mencionadas, um herói e, por fim, até um mártir. Embora o cobarde, interiormente, dissesse sempre não, com os lábios pronunciava sempre sim, mesmo já no cadafalso, ao morrer pelas ideias do seu partido: é que, ao lado dele, estava um dos seus velhos camaradas, que o tiranizava tanto pela palavra e o olhar, que ele sofreu a morte realmente da maneira mais decente e, desde então, é homenageado como mártir e grande personalidade.

Combater a Opressão

É certamente admirável o homem que se opõe a todas as espécies de opressão, porque sente que só assim se conseguirá realizar a sua vida, só assim ela estará de acordo com o espírito do mundo; constitui-lhe suficiente imperativo para que arrisque a tranquilidade e bordeje a própria morte o pensamento de que os espíritos nasceram para ser livres e que a liberdade se confunde, na sua forma mais perfeita, com a razão e a justiça, com o bem; a existência passou a ser para ele o meio que um deus benevolente colocou ao seu dispor para conseguir, pelo que lhe toca, deixar uma centelha onde até aí apenas a treva se cerrara; é um esforço de indivíduo que reconheceu o caminho a seguir e que deliberadamente por ele marcha sem que o esmoreçam obstáculos ou o intimide a ameaça; afinal o poderíamos ver como a alma que busca, após uma luta de que a não interessam nem dificuldades nem extensão.

Vejo, logo Existo

Sou um visual. O que na memória trago, trago-o visualmente, se susceptível é de assim ser trazido. Mesmo ao querer evocar em mim uma qualquer voz, um perfume qualquer, não evito que antes que ela ou ele me vislumbre no horizonte do espírito, me apareça à visão rememorativa a pessoa que fala, a coisa donde o perfume partiu. Não dou isto por absolutamente certo; pode ser que, radicada em mim de vez a persuasão de que sou um visual, no lugar final do sofisma que é a escuridão íntima do ser me fosse desde então impossível evitar que a ideia de que sou um visual não levantasse imediatamente uma imagem falsamente inspiradora. Seja como for, o menos que sou, é um visual predominantemente. Vejo, e vendo, vivo.

A Leitura é a Mais Nobre das Distracções

Se o gosto pelos livros aumenta com a inteligência, os perigos, como vimos, diminuem com ela. Um espírito original sabe subordinar a leitura à actividade pessoal. Ela é para ele apenas a mais nobre das distrações, sobretudo a mais enobrecedora, pois, só a leitura e o saber conferem «as boas maneiras» do espírito. O poder da nossa sensibilidade e da nossa inteligência, só o podemos desenvolver dentro de nós próprios, nas profundezas da nossa vida espiritual. Mas é nesse contacto com os outros espíritos que a leitura é, que se faz a educação das “maneiras” do espírito. Os letrados permanecem, apesar de tudo, como as pessoas notáveis da inteligência, e ignorar um determinado livro, uma determinada particularidade da ciência literária, será sempre, mesmo num homem de génio, uma marca de grosseria intelectual. A distinção e a nobreza consistem na ordem do pensamento também, numa espécie de franco-maçonaria de costumes, e numa herança de tradições.

A Lucidez da Velhice

A mocidade é noivado, como a velhice é viuvez. Um jovem, por mais marido que seja, é noivo ainda; e um velho, embora casado, é já viúvo… um solitário guardando as cinzas duma flor. Mas dessas cinzas o seu espírito se alimenta. Alimenta-se de pureza, pois a cinza é o que resta dum incêndio, essa purificação suprema. Por isso, a consciência é um atributo da velhice, e também a ciência. A consciência é a ciência connosco, a ciência identificada ao nosso ser, que entra no pleno conhecimento de si mesmo, e do seu poder representativo do Universo. A velhice é uma noite maravilhosa em que brilham as nossas ideias, uma atmosfera límpida ou varrida pelo zéfiro da morte, a única Deusa verdadeira.

A Esterilidade da Crítica

Personagem que Deus não cuidou de convocar quando criou o mundo, o crítico faz questão de estabelecer uma hierarquia nas obras de criação e nas obras do espírito humano. Assim geram-se inveja e desprezo, e o desânimo dos maiores, ante injustiças; assim ficam eles à mercê dos seus inferiores, os estéreis. A única estética sadia é a que não cogita de medir impressões produzidas por tipos diferentes, a que coloca no mesmo plano todos os grandes esforços intelectuais da humanidade, fundindo-os no génio humano, como as cores se fundem na luz sem sobressair nenhuma.

Em Toda a Biblioteca há Espíritos

Penso que em toda a biblioteca há espíritos. Esses são os espíritos dos mortos que só despertam quando o leitor os busca. Assim, o acto estético não corresponde a um livro. Um livro é um cubo de papel, uma coisa entre coisas. O acto estético ocorre muito poucas vezes, e cada vez em situações inteiramente diferentes e sempre de modo preciso. (…) Detenhamo-nos nesta ideia: onde está a fé do leitor? Porque, para ler um livro, devemos acreditar nele? Se não acreditamos no livro, não acreditamos no prazer da leitura. (…) Acompanhamos a ficção como acontece, de alguma maneira, no sonho.

Dificuldade de Leitura

Quando encontro alguma dificuldade no curso da leitura, não fico a roer as unhas; passo adiante, depois de ter feito uma ou duas tentativas de resolvê-la.
Se insistisse nela, iria perder-me, e ao meu tempo, pois tenho espírito resoluto e impaciente. O que não vejo da primeira vez, menos o vejo se insistir. Nada faço sem alegria; o esforço por demais seguido e obstinado ofusca, aflige e fatiga o meu entendimento. A minha vista confunde-se e cansa-se. É-me mister dar-lhe alguma distracção, do mesmo modo por que, para avaliar o lustro do escarlate, recomendam-nos que lhe passemos os olhos de relance, e que voltemos a fazê-lo diversas vezes, de modo súbito e reiterado.