Sonetos sobre Duração

7 resultados
Sonetos de duração escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Espelho (II)

Para fechar sem chave a minha sina
Clara inversão da jaula das palavras
As vestes da sintaxe que componho
De baixo para cima é que renovo.

Escancarando um solo transmutado
Para o sol da surpresa nas janelas
Ao mesmo pouso de ave renascida
Do fim regresso fera não domada.

Na duração que escorre nessa arena
Lambendo vem a pressa em que me aposto.
Nessa voragem, vaga um mar de calma

Que me alimenta os ossos da memória.
Sobrada sobra, cinza dos minutos,
O que sobrou de mim são essas sombras

Marília De Dirceu

Soneto 4

Ainda que de Laura esteja ausente,
Há de a chama durar no peito amante;
Que existe retratado o seu semblante,
Se não nos olhos meus, na minha mente.

Mil vezes finjo vê-la, e eternamente
Abraço a sombra vã; só neste instante
Conheço que ela está de mim distante,
Que tudo é ilusão que esta alma sente.

Talvez que ao bem de a ver amor resista;
Porque minha paixão, que aos céus é grata
Por inocente assim melhor persista;

Pois quando só na idéia ma retrata,
Debuxa os dotes com que prende a vista,
Esconde as obras com que ofende, ingrata.

Proposição das rimas do poeta

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.

Soneto Para Eugênia

O tempo que te alonga todo dia
é duração que colhes na paisagem,
tão distante e tão perto em ventania,
sitiando limites na viagem.

Desse mar que se afasta em maresia
o vago em teu olhar se faz aragem
nas vagas que se vão em vaga via
vigia de teus pés no vão das margens.

E o fio da teia vai fugindo fosco,
irreparável névoa pressentida
nos livros que não leste, nesses poucos

momentos que sobravam da medida.
Angústia de ponteiros, sol deposto,
no tédio das desoras foge a vida.

Vida que bem mereces por inteiro,
e é pouca a que te dou de companheiro.

Viver é Caminhar Breve Jornada

DESPREOCUPAÇÃO DO VIVER DISTRAÍDO A QUEM A MORTE CHEGA INESPERADA

Viver é caminhar breve jornada,
e morte viva é, Lico, a nossa vida,
ontem p’ra o frágil corpo amanhecida,
cada instante, no corpo sepultada.

Nada que, ao ser, é pouco, e será nada
em pouco tempo, que ambiciosa olvida;
pois, da vaidade mal persuadida,
deseja duração, terra animada.

Levada por um falso pensamento,
por esperança enganadora e cega,
tropeçará no próprio monumento.

Como o que, distraído, o mar navega,
e, sem se mover, voa com o vento,
e, antes que pense em abeirar-se, chega.

Tradução de José Bento

Inconstância

É o meu destino: – hei de seguir assim
como um novo amor por sol, em cada dia…
– o que há pouco era tudo o que queria
já agora não é nada para mim…

Só vive, o que ainda é sonho e fantasia!
O que conquisto encontra logo um fim…
O amor que nasce cheio de alegria
hoje – morre amanhã cheio de esplim…

Inconstante e volúvel, meus desejos
– tem a alma das bolhas de sabão
e a duração efêmera dos beijos…

O amor – é a vida de um perfume no ar,
o encanto de um segundo de ilusão…
– a beleza da espuma sobre o mar!…

Espelho (I)

O que sobrou de mim são essas sombras
Sobrada sobra, cinza dos minutos,
Que me alimenta os ossos da memória.

Nessa voragem vaga, um mar de calma
Lambendo vem a pressa em que me aposto
Na duração que escorre nessa arena.

Do fim regresso fera não domada
Ao mesmo pouso de ave renascida
Para o sol da surpresa nas janelas
Escancarando um solo transmutado.

De baixo para cima é que renovo
As vestes da sintaxe que componho
Clara inversão da jaula das palavras
Para fechar sem chave a minha sina.