Sonetos sobre Engano de Luís de Camões

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Sonetos de engano de Luís de Camões. Leia este e outros sonetos de Luís de Camões em Poetris.

Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tĂŁo presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De Amor nĂŁo vi senĂŁo breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse

Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂ­zo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.

Ă“ vĂłs que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,

verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!

Aqueles Claros Olhos Que Chorando

Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farĂŁo? Quem mo diria?
Se porventura estarĂŁo em mim cuidando?

Se terĂŁo na memĂłria, como ou quando
deles me vim tĂŁo longe de alegria?
Ou s’estarĂŁo aquele alegre dia
que torne a vĂŞ-los, n’alma figurando?

Se contarĂŁo as horas e os momentos?
Se acharĂŁo num momento muitos anos?
Se falarĂŁo co as aves e cos ventos?

Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausĂŞncia, tĂŁo doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!

Doce Sonho, Suave E Soberano

Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
pois havia de ver tal desengano!

Ah! deleitoso bem! ah! doce engano!
Se por mais largo espaço me enganara!
Se entĂŁo a vida mĂ­sera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.

Ditoso, nĂŁo estando em mim, pois tive,
dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!

Enfim, fora de mim, ditoso estive.
Em mentiras ter dita razĂŁo era,
pois sempre nas verdades fui mofino.

Lindo E Sutil Trançado, Que Ficaste

Lindo e sutil trançado, que ficaste
em penhor do remédio que mereço,
se só contigo, vendo te, endoudeço,
que fora cos cabelos que apertaste?

Aquelas tranças d’ouro, que ligaste,
que os raios do Sol têm em pouco preço,
não sei se para engano do que peço
se para me atar, os desataste.

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
e por satisfação de minhas dores
como quem nĂŁo tem outra, hei de tomar te.

E se nĂŁo for contente meu desejo,
dir lhe hei que, nesta regra dos amores,
pelo todo também se toma a parte.

Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta

Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.

Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.

Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.

Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.