Sonetos sobre Fundo de José Régio

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Sonetos de fundo de José Régio. Leia este e outros sonetos de José Régio em Poetris.

Narciso

Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu prĂłprio poço…
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lĂąnguido escondia!

Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silĂȘncio esfĂ­ngico bem ouço!
Ó lindos olhos sîfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!

Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:

Que eu vivo Ă  espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
…LĂĄ no fundo do poço em que me espelho!

Pecado Original

Sim, MĂŁe! sim, quanta vez te vi chorar…,
Sem desistir de te fazer sofrer!
Gozava entĂŁo nem sei que atroz prazer
De te arranhar no peito… e me arranhar.

Mas quis lutar comigo, MĂŁe! lutar
Contra esse monstro obscuro do meu ser.
Que sonho, MĂŁe!: ter-me eu em meu poder,
Talhar-me bom, feliz, simples, vulgar…

Mãe! com que força eu vi que era impotente!
… Porque de bem mais longe e bem mais fundo
A culpa do meu ser a nĂłs dois veio.

Perdoemos um ao outro, humildemente:
Eu, Mãe! — ter-me o teu seio dado ao mundo;
Tu, — ter-me eu feito vida no teu seio.