Sonetos sobre Habitação

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Sonetos de habitação escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Se me Aparto de ti, Deus da Bondade

Se me aparto de ti, Deus da bondade,
Que ausência tão cruel! Como é possível
Que me leve a um abismo tão terrível
O pendor infeliz da humanidade!

Conforta-me, Senhor, que esta saudade
Me despedaça o coração sensível;
Se a teus olhos na cruz sou desprezível,
Não olhes para a minha iniquidade!

À suave esperança me entregaste,
E o preço de teu sangue precioso
Me afiança que não me abandonaste.

Se, justo, castigar-me te é forçoso,
lembra-te que te amei, e me criaste
para habitar contigo o Céu lustroso!

Morte

Num imenso salão, alto e rotundo,
De caveiras iguais, ossos sem dono,
Perpétua habitação de eterno sono
Que tem por tecto o Céu, por base o mundo:

Bem no meio, em silêncio o mais profundo,
Se levanta da Morte o fatal trono:
Ceptros sem rei, arados sem colono,
São os degraus do sólio furibundo.

Lanças, arneses pelo chão, quebrados,
Murchas grinaldas, báculos partidos,
Liras de vates, pastoris cajados,

Algemas, ferros e brasões luzidos,
No terrível salão são misturados,
No palácio da Morte confundidos.

Tese e Antítese

I

Já não sei o que vale a nova idéia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacchante após lúbrica ceia…

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia;
Respira fumo e fogo embriagada:
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!

Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz…

Mas a idea é n’um mundo inalterável,
N’um cristalino céu, que vive estável…
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!

II

N’um céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino.

Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante:
Enche o ar da terra o seu pulmão possante…
Cá da terra blasfema ou ergue um hino…

A idéia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!

Combatei pois na terra árida e bruta,

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LXXIV

Sombrio bosque, sítio destinado
À habitação de um infeliz amante,
Onde chorando a mágoa penetrante
Possa desafogar o seu cuidado;

Tudo quieto está, tudo calado;
Não há fera, que grite; ave, que cante;
Se acaso saberás, que tens diante
Fido, aquele pastor desesperado!

Escuta o caso seu: mas não se atreve
A erguer a voz; aqui te deixa escrito
No tronco desta faia em cifra breve:

Mudou-se aquele bem; hoje é delito
Lembrar-me de Marfisa; era mui leve:
Não há mais, que atender; tudo está dito.

Feliz Habitação da Minha Amada

Feliz habitação da minha Amada,
Ninho de Amor, albergue da Ternura,
Onde, outro tempo, a próspera Ventura
Dormia nos meus braços, descuidada.

Então, minha Alma terna, embriagada,
Gostava do prazer toda a doçura:
Hoje, contrária minha, a Sorte dura
Do teu Éden Amor, m’impede a entrada.

Com que mágoa, de longe te diviso!…
Com que pena cruel!…
Com que saudade!
Ah! que não sei como não perco o sizo!…

Bárbara Sorte! Ao menos por piedade,
Se me privas da entrada do Paraíso,
Deixa ver me, de Armânia, a divindade!

XXXII

Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.

Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vôo, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …

E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…

Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mão!