Sonetos sobre Horas de Florbela Espanca

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Sonetos de horas de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Horas Rubras

Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volĂșpia, noites quentes
Onde hĂĄ risos de virgens desmaiadas…

Oiço olaias em flor Ă s gargalhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
SĂŁo pedaços de prata p’las estradas…

Os meus lĂĄbios sĂŁo brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…

Sou chama e neve e branca e mist’riosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

Outonal

Caem as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, nĂŁo sei quem tece
As rendas do silĂȘncio…Olha, anoitece!
— Brumas longĂ­nquas do PaĂ­s Vago…

Veludos a ondear…MistĂ©rio mago…
Encantamento…A hora que nĂŁo esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bĂȘnção dum afago…

Outono dos crepĂșsculos doirados,
De pĂșrpuras, damascos e brocados!
— Vestes a Terra inteira de esplendor!

Outono das tardinhas silenciosas,
Das magnĂ­ficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor…

Sol Poente

Tardinha… “Ave-Maria, MĂŁe de Deus…”
E reza a voz dos sinos e das noras…
O sol que morre tem clarĂ”es d’auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!

Horas que tĂȘm a cor dos olhos teus…
Horas evocadoras doutras horas…
Lembranças de fantåsticos outroras,
De sonhos que nĂŁo tenho e que eram meus!

Horas em que as saudades, p’las estradas,
Inclinam as cabeças mart’rizadas
E ficam pensativas… meditando…

Morrem verbenas silenciosamente…
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pĂĄlida boca desfolhando…

Tarde Demais…

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mĂĄgico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
PĂŽs-se o silĂȘncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que nĂŁo pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
PĂ©s nus, olhos a rir, a boca em flor!

E hĂĄ cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”

MĂŁezinha

Andam em mim fantasmas, sombras, ais…
Coisas que eu sinto em mim, que eu sinto agora;
NĂ©voas de dantes, dum longĂ­nquo outrora;
Castelos d’oiro em mundos irreais…

Gotas d’ĂĄgua tombando… Roseirais
A desfolhar-se em mim como quem chora…
— E um ano vale um dia ou uma hora,
Se tu me vais fugindo mais e mais!…

Ó meu Amor, meu seio Ă© como um berço
Ondula brandamente… Brandamente…
Num ritmo escultural d’onda ou de verso!

No mundo quem te vĂȘ?! Ele Ă© enorme!…
Amor, sou tua mĂŁe! VĂĄ… docemente
Poisa a cabeça… fecha os olhos… dorme…