Sonetos sobre Longe de J. G. de Araújo Jorge

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Sonetos de longe de J. G. de Araújo Jorge. Leia este e outros sonetos de J. G. de Araújo Jorge em Poetris.

Canto Ou Elegia

Porque não me pertences eu te sinto minha.
Sei que estou no teu sono e nos teus movimentos.
Ah! se já tivesse apertado ao meu peito
talvez me pertencesses, – e não fosses minha.

Quantas, quantas julguei possuir, tive-as na posse
e perdi-as no instante em que a taça se esvaziou.
Ah! morremos de seda! E é água pura que canta
perto de nós, no abismo, esse amor que não temos.

Morro de sede, e sofro… Ó música tão perto
e tão longe na minha solidão ardente!
– Quanto não a ouvirei porque a terei nos lábios?

Quando a possuirei sem notar-lhe a pureza?
E a beberei sem ver, que a estou, lento, matando,
e estou, lento, morrendo, sem saber que morro?

Solitário

Longe de ti, do mundo – solitário.
sem o riso das falsas alegrias
vou desfiando, um a um, todos os dias,
como contas de dor, no meu rosário…

E assim – sem Ter ninguém – oh, quantas vezes!
– no amor que já deixei fico a pensar…
E as semanas se escoam sem parar:
a primeira… outra mais… mais outra… e os meses…

O outono já chegou, e as folhas solta…
E eu, sem querer, nostálgico, me ponho
a pensar que esse amor aos poucos volta…

Mentira!… Vã mentira que me ilude!…
Como é triste a ilusão mesmo num sonho,
Eu que na vida me iludir não pude!…

Cheguei Tarde

Cheguei tarde, bem sei…E após minha chegada
foi que eu vi, afinal, que tu tinhas partido…
Mas teu vulto, distante, em sombras já perdido,
divisar ainda pude, ao longe, pela estrada…

Seguia-te outro vulto, – o alguém desconhecido
que primeiro encontraste em tua caminhada…
Partiste! …E eras feliz, porque partiste amada,
e eu fiquei, entretanto, infeliz e esquecido…

Já não te vejo mais… Vai distante talvez…
E ainda hoje tenho o olhar na estrada, sem ninguém,
por onde tu partiste, um dia, certa vez…

Fiquei…Curtindo a dor de um destino atrasado…
– Sorrindo, por te ver feliz…Junto de alguém,
– chorando, por não ter mais cedo te encontrado!…

Pouso

Pervaguei muito tempo a procura de um pouso
como alguém que batesse em vão de porta em porta
– meu olhar, parecia perguntar ansioso:
quem me dá sua mão?… quem minha alma conforta!

Caminheiro sem rumo, a alma já quase morta,
via ao longe o caminho intérmino e sinuoso…
– (quanta coisa afinal na vida se suporta
antes de conseguir-se um pouco de repouso!)

Minha vida era assim… – uma estrada vazia…
E eu caminhava a olhar buscando o que surgisse
a frente, – e ao meu redor tudo aos poucos fugia…

Até que te encontrei! … E se não te encontrasse,
– talvez ha muito tempo eu já não existisse!
– talvez que ha muito tempo eu já não caminhasse!

O Verbo Amar

Te amei: – era de longe que eu te olhava
e de longe me olhavas vagamente…
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente
sente, que a alma da gente faz escrava…

Te amava: – como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar… E te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava!

Te amo: – e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo… e eu, vou te amando…

Te amar é mais que um verbo, é a minha lei:
– e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!

Pensando Nela

Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
longe de mim, no entanto, em que estará pensando ?
– quem sabe se a sonhar, debruçada à janela
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando…

Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando ?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando…

Invejaria o luar… É tarde, estou sozinho,
ela dorme talvez, e não sabe que ao lado
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho…

Nem vê meu pensamento entrar pela janela
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado
este verso de amor que fiz, pensando nela!

Piano De Bairro

Na rua sossegada onde moro, – à tardinha,
quando em sombras o céu lentamente escure,
– um piano solitário, em surdina, – parece
acompanhar ao longe a tarde que definha…

Nessa hora, em que de manso a noite se avizinha,
seus acordes pelo ar tem murmúrios de prece…
– Ah! Quem não traz como eu também, na alma sozinha,
um piano evocativo que nos entristece?

Há sempre um velho piano de bairro, esquecido
na memória da gente, – e que nas tardes mansas
sonoriza visões de outrora ao nosso ouvido.

Seus monótonos sons, seus estudos sem cor,
repetem no teclado branco das lembranças
o inconcluso prelúdio de um longínquo amor!

Uma Resposta

Não sabes a alegria em que fiquei
ao ler o que escreveste – o teu cartão
veio um pouco aquecer meu coração,
que de há muito na sombra sepultei…

A tristeza tornou-se-me uma lei
neste estranho pais da solidão…
– já nem sei como vais, nem como vão
aqueles que há mil anos já deixei…

Não penses mais em mim… Sou como um monge,
– não voltarei jamais para a cidade
e o tempo em que me falas vai bem longe…

Fizeste bem em não me acompanhar…
Tinhas toda razão… Felicidade
só eu mesmo encontrei neste lugar!…

Bom O tempo Que Ficou

Bom o tempo que ficou, – amei-te na alegria
de uma tarde azulada e linda de Setembro,
– disso tudo hoje triste eu muita vez me lembro
enquanto uma saudade o peito crucia…

Amei-te, como nunca outro alguém te amaria,
eras o meu sonhar de Janeiro à Dezembro…
Depois… Tu me deixas-te, e ainda hoje se relembro,
Amargo a mesma dor cruel daquele dia…

Agora sem viver, – sou um corpo sem alma,-
conformo-me com tudo, e vou chegando ao fim
– como a tarde que cai bem suavemente em calma.

Já não sinto… não sofro… já nem vivo até.
– Se a vida ainda era vida ao ter-te junto à mim
hoje, longe de ti, – nem vida ao menos é!

Sensual

Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado;
nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo;
no quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo,
a olhar-me com olhar nervoso e apaixonado…

Partiste!… Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo
daquele último abraço inquieto e demorado…
– Na quentura do espaço a transpirar pecado,
Ainda baila a figura estranha do desejo…

Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços!
– Quando longe tu estás, minha alma se alvoroça
julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos…

Na lembrança revejo os momentos felizes,
e chego a acredita que a minha carne moça
na tua carne moça até criou raízes!…

Frustração

Persegui-a com as mãos, como uma criança a um brinquedo.
Era um sonho; era mais: – a alegria que chega,
o prazer que nos toma e nos deixa inebriados,
atirando à corrente, num gesto, os sentidos…

Ah! Povoou minhas noites de sono sem pálpebras;
dançava entre estrelas na distância, – via-a!
Meu destino! pensei, – eis o amor! – É esse sangue
que me queima por dentro e me agita: eis o amor!

E alcancei-a! Eis o mar ao redor atordoante!
Nos meus braços em concha era como uma pérola
escondida, o mistério do oceano a guardar…

E de repente, é estranho! esse vazio, esta ânsia!
Como a posse do amor está longe do amor
e o rumor que há na concha… está longe do mar!

Timidez

Eu sei que é sempre assim, – longe dela imagino
mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor,
perto dela, – meu Deus!… lembro mais um menino
que esquecesse a lição diante do professor…

Penso, que a minha voz terá sons de violino
enchendo os seus ouvidos de canções de amor,
– e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for…

Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,
eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço…

E ficamos assim, ela em silêncio… eu, mudo…
Mas meus olhos, nem sei… ah! Quantas cousas falam!
e seus olhos, seus olhos!… dizem tudo, tudo!