Imaginai Um Misto De Alvoradas
Imaginai um misto de alvoradas
Assim com uns vagos longes de falena,
Ou mesmo uns quês suaves de açucena
C’os magos prantos bons das madrugadas!…Imaginai mil cousas encantadas…
O tímido dulçor da tarde amena,
As esquisitas graças de uma Helena,
As vaporosas noites estreladas…Que encontrareis então em Julieta
O tipo são, fiel da Georgeta
Nos dois brilhantes, primorosos atos!…E sentireis um fluido magnético
Trêmulo, nervoso, mórbido, patético,
Bem como a voz dos langues psicattos!…
Sonetos sobre Mil
111 resultadosTestamento do Poeta
Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
Não sou dos que se aceita… a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.O mesmo vos direi, sonhos antigos
De amor! olhos nos meus outrora absortos!
Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,
Que fostes o melhor dos meus pascigos!E o mesmo digo a tudo e a todos, – hoje
Que tudo e todos vejo reduzidos,
E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.Para reaver, porém, todo o Universo,
E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!….
Basta-me o gesto de contar um verso.
És dos Céus o Composto Mais Brilhante
Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.
Ser Poeta
Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente!
Mundo Incerto
Eis aqui mil caminhos: Porventura
Qual destes leva a gente ao povoado?
Todos vão sós: só este vai trilhado;
Mas se, por ser trilhado, me assegura?Não: que desd’o princípio há que lhe dura
Do erro este costume, ao mundo dado;
Ser aquele caminho mais errado,
O que é de mais passage e fermosura.Em fim não passarei, temendo a sorte?
Também, tanto temor é desconcerto:
A quem passar avante, assi lhe importe.Que farei logo, incerto em mundo incerto? –
Buscar nos Céus o verdadeiro Norte,
Pois na terra não há caminho certo.
Autobiografia
De cerúleo gabão não bem coberto,
passeia em Santarém chuchado moço,
mantido, às vezes, de sucinto almoço,
de ceia casual, jantar incerto;dos esbrugados peitos quase aberto,
versos impinge por miúde e grosso;
e do que em frase vil chamam caroço,
se o que, é vox clamantis in deserto;pede às moças ternura, e dão-lhe motes;
que, tendo um coração como estalage,
vão nele acomodando a mil peixotes.Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
cercado de um tropel de franchinotes?
– É o autor do soneto: – é o Bocage.
Soneto IV
Sobre mu cuidado triste me desfaço,
Como ó sol neve, como névoa ó vento,
E como cera ao fogo; e assi em vão tento
Quanto cuido e ordeno, e quanto faço.Nele mil vezes mouro e mil renaço,
E ando de pensamento em pensamento
Provando se acharei contentamento
Que me erga das tristezas em que faço.Mas em vão o desejo, em vão o espero!
Que vós, senhora, tendes já tomado
Todo remédio que alegrar-me possa.Mas não me tirareis este cuidado,
Que inda que é triste, é vosso, e assi o quero;
Mas ai, que desta pena a culpa é vossa!
Nos Campos O Vilão Sem Susto Passa
Nos campos o vilão sem susto passa
inquieto na corte o nobre mora;
o que é ser infeliz aquele ignora,
este encontra nas pompas a desgraça;aquele canta e ri, não se embaraça
com essas coisas vãs que o mundo adora;
este (oh cega ambição!) mil vezes chora,
porque não acha bem que o satisfaça;aquele dorme em paz no chão deitado,
este no ebúrneo leito precioso
nutre, exaspera velador cuidado,triste, sai do palácio majestoso.
Se hás-de ser cortesão mas desgraçado,
anter ser camponês e venturoso.
Soneto À Tua Volta
Voltaste, meu amor… enfim voltaste!
Como fez frio aqui sem teu carinho….
A flor de outrora refloresce na haste
que pendia sem vida em meu caminho.Obrigado… Eu vivia tão sozinho…
Que infinita alegria, e que contraste!
-Volta a antiga embriaguez porque voltaste
e é doce o amor, porque é mais velho o vinho!Voltaste… E dou-te logo este poema
simples e humilde repetindo um tema
da alma humana esgotada e envelhecida…Mil poetas outras voltas celebraram,
mas, que importa? se tantas já voltaram
só tu voltaste para a minha vida…
25 De Março
25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o CearáBem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na órbita traçada — de fogo dos obuses.Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura — a lei cujos fossos
Se ergue a consciência — e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de heróis — presentes pelo dorso
À rubra luz da glória — enquanto voa e zumbe.O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.
Mil Anos Há que Busco a Minha Estrela
Mil anos há que busco a minha estrela
E os Fados dizem que ma têm guardada;
Levantei-me de noite e madrugada,
Por mais que madruguei, não pude vê-la.Já não espero haver alcance dela
Senão depois da vida rematada,
Que deve estar nos céus tão remontada
Que só lá poderei gozá-la e tê-la.Pensamentos, desejos, esperança,
Não vos canseis em vão, não movais guerra,
Façamos entre os mais uma mudança:Para me procurar vida segura
Deixemos tudo aquilo que há na terra,
Vamos para onde temos a ventura.
Eu Cantarei De Amor Tão Docemente
Eu cantarei de amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente.Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.
Uma Resposta
Não sabes a alegria em que fiquei
ao ler o que escreveste – o teu cartão
veio um pouco aquecer meu coração,
que de há muito na sombra sepultei…A tristeza tornou-se-me uma lei
neste estranho pais da solidão…
– já nem sei como vais, nem como vão
aqueles que há mil anos já deixei…Não penses mais em mim… Sou como um monge,
– não voltarei jamais para a cidade
e o tempo em que me falas vai bem longe…Fizeste bem em não me acompanhar…
Tinhas toda razão… Felicidade
só eu mesmo encontrei neste lugar!…
Marília De Dirceu
Soneto 9
Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
Por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
Ainda não deixais tão vil traidora?Não haja piedade; sinta agora
A dita sem remédio em mal trocada:
Pois, se assim não sucede, fica ousada
Para ser outra vez enganadora.Vingai, ó justos céus…, mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? – O sentimento
Privou-me do discurso; eu me desdigo.Não, não vibreis o raio violento;
Pois se que a compaixão do seu castigo
Há de aumentar depois o meu tormento.
Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro
Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varões nas letras espantosos.Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.
Lusos Heróis, Cadáveres Cediços
Lusos heróis, cadáveres cediços,
Erguei-vos dentre o pó, sombras honradas,
Surgi, vinde exercer as mãos mirradas
Nestes vis, nestes cães, nestes mestiços.Vinde salvar destes pardais castiços
As searas de arroz, por vós ganhadas;
Mas ah! Poupai-lhe as filhas delicadas,
Que. Elas culpa não têm, têm mil feitiços.De pavor ante vós no chão se deite
Tanto fusco rajá, tanto nababo,
E as vossas ordens, trémulo, respeite.Vão para as várzeas, leve-os o Diabo;
Andem como os avós, sem mais enfeite
Que o langotim, diámetro do rabo.
Ondados Fios D’ouro Reluzente
Ondados fios d’ouro reluzente,
que, agora da mão bela recolhidos,
agora sobre as rosas estendidos,
fazeis que sua beleza se acrescente;Olhos, que vos moveis tão docemente,
em mil divinos raios entendidos,
se de cá me levais alma e sentidos,
que fora, se de vós não fora ausente?Honesto riso, que entre a mor fineza
de perlas e corais nasce e parece,
se n’alma em doces ecos não o ouvisse!Se imaginando só tanta beleza
de si, em nova glória, a alma se esquece,
que fará quando a vir? Ah! quem a visse!
Memória De Meu Bem, Cortado Em Flores
Memória de meu bem, cortado em flores
por ordem de meus tristes e maus Fados,
deixai-me descansar com meus cuidados
nesta inquietação de meus amores.Basta-me o mal presente, e os temores
dos sucessos que espero infortunados,
sem que venham, de novo, bens passados
afrontar meu repouso com suas dores.Perdi nua hora quanto em termos
tão vagarosos e largos alcancei;
leixai-me, pois, lembranças desta glória.Cumpre acabe a vida nestes ermos,
porque neles com meu mal acabarei
mil vidas, não ua só, dura memória!
Palavras d’um Certo Morto
Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo, à chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…Só o espírito vive: vela absorto
N’um fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto só… do resto não me importo…Que vivi sei-o eu bem… mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto… ai! adoraram-me.Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Podesse ser alguém! — logo em seguida
Disseram que era um Deus… e amortalharam-me!
Verdade, Amor, Razão, Merecimento
Verdade, Amor, Razão, Merecimento,
qualquer alma farão segura e forte;
porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,
têm do confuso mundo o regimento.Efeitos mil revolve o pensamento
e não sabe a que causa se reporte;
mas sabe que o que é mais que vida e morte,
que não o alcança humano entendimento.Doctos varões darão razões subidas,
mas são experiências mais provadas,
e por isso é melhor ter muito visto.Cousas há i que passam sem ser criadas
e cousas criadas há sem ser passadas,
mas o melhor de tudo é crer em Cristo.