Sonetos sobre Raiva

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Sonetos de raiva escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?

Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.

Desespero

Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o esperma que te dou, o desespero.

O Incêndio De Roma

Raiva o incêndio. A ruir, soltas, desconjuntadas,
As muralhas de pedra, o espaço adormecido
De eco em eco acordando ao medonho estampido,
Como a um sopro fatal, rolam esfaceladas.

E os templos, os museus, o Capitólio erguido
Em mármor frígio, o Foro, as erectas arcadas
Dos aquedutos, tudo as garras inflamadas
Do incêndio cingem, tudo esbroa-se partido.

Longe, reverberando o clarão purpurino,
Arde em chamas o Tibre e acende-se o horizonte.
Impassível, porém, no alto do Palatino,

Nero, com o manto grego ondeando ao ombro, assoma
Entre os libertos, e ébrio, engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição de Roma.

A Fúria Mais Fatal e Mais Medonha

Das Fúrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.

Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.

Mãe dos males fatais à Sociedade,
Vidas, honras destrói, cismas fomenta,
Nutrindo n’alma as serpes da Maldade.

O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.

Soneto 253 A Renato Russo

Embora original, gênio, perito,
do nosso rock um raro uirapuru,
vivia ensimesmado e jururu,
talvez por não ser grego nem bonito.

Entendo a sua angústia e o seu conflito,
meu ídolo, meu mártir, meu guru!
Causou você, primeiro, um sururu;
depois, tristeza, e então calou seu grito.

Respeito quem é triste, ou aparenta.
Os outros grandes brincam: Raul, Rita,
ou cospem mera raiva barulhenta.

Cazuza também brinca, mas medita.
Arnaldo Antunes testa, experimenta.
Renato faz da dor a dor: maldita!

Arda De Raiva Contra Mim A Intriga

Arda de raiva contra mim a intriga,
Morra de dor a inveja insaciável;
Destile seu veneno detestável
A vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,
Contra mim só, o mundo miserável.
Alimente por mim ódio entranhável
O coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;
Sei desprezar um nome não preciso;
Sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso
De uns lábios de mulher gentis, ufanos;
E o mais que os homens são, desprezo e piso.

Voz de Outono

Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
— «Mais te valera, nú e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima soidão,

Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel
deveza, Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!

Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,

(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com ódio e raiva e dor… que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» —

A Minha Tragédia

Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …

O Desfecho

Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.

Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião,
Uns cingidos de luz, outros ensangüentados…
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a água em cima os olhos espantados.

Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.

Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.

Desespero

Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.

Visão

(A J. M. Eça de Queiroz)

Eu vi o Amor — mas nos seus olhos baços
Nada sorria já: só fixo e lento
Morava agora ali um pensamento
De dor sem trégua e de íntimos cansaços.

Pairava, como espectro, nos espaços,
Todo envolto n’um nimbo pardacento…
Na atitude convulsa do tormento,
Torcia e retorcia os magros braços…

E arrancava das asas destroçadas
A uma e uma as penas maculadas,
Soltando a espaços um soluço fundo,

Soluço de ódio e raiva impenitentes…
E do fantasma as lágrimas ardentes
Caíam lentamente sobre o mundo!

Tédio

Ando às vezes boçal e sinto-me incapaz
De encontrar uma rima ou produzir um verso;
Fazendo de mim mesmo a ideia de um perverso
Capaz de apunhalar à luz do gás.

Incomoda-me a Cor, o sangue do Poente
– Waterloo rubro de que o sol é Bonaparte -;
Não compreendo, Mulher, como inda posso amar-te
Se tenho raiva, muita raiva a toda a gente.

‘Té onde a vista alcança alargo o meu olhar,
E creio quanto existe uma nódoa escura
Que as lágrimas do Choro hão de jamais lavar…

Estranha concepção! Abranjo o mundo todo
E em cada estrela vejo a mesma lama impura,
E em cada boca rubra o mesmo impuro lodo!

Ah, um Soneto…

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear…

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas — esta é boa! — era do coração
que eu falava… e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação? …

No Meu Peito Arde Em Chamas Abrasada

No meu peito arde em chamas abrasada
A pira da vingança reprimida,
E em centelhas de raiva ensurdecida
A vingança suprema e concentrada.

E espuma e ruge a cólera entranhada,
Como no mar a vaga embravecida
Vai bater-se na rocha empedernida,
Espumando e rugindo em marulhada.

Mas se das minhas dores ao calvário,
Eu subo na atitude dolorida
De um Cristo a redimir um mundo vário,

Em luta co’a natura sempiterna,
Já que do mundo não vinguei-me em vida,
A morte me será vingança eterna.

Ecce Homo

Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.

Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.

Pois deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,

Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.

Carlos Gomes

Essa que plange, que soluça e pensa,
Amorosa e febril, tímida e casta,
Lira que raiva, lira que devasta,
E que dos próprios sons vive suspensa.

Guarda nas costas uma escala imensa,
Que, quando rompe, espaço fora, arrasta
Ora do mar as queixas ora a vasta
Sussurração de uma floresta densa.

Ei-la muda, mas tal intensidade
Teve a música enorme do seu choro
O dilúvio orquestral dos seus lamentos.

Que muda assim, rotas as cordas há de
Para sempre vibrar o eco sonoro
Que sua alma lançou aos quatro ventos.