Sonetos sobre Mortos de Machado de Assis

3 resultados
Sonetos de mortos de Machado de Assis. Leia este e outros sonetos de Machado de Assis em Poetris.

A Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Camões I

Tu quem és? Sou O século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A glória resplendente.
De quem? De quem mais soube a força e a graça.

Que cantou ele? A vossa mesma raça.
De que modo? Na lira alta e potente.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo, desgraça.

Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação?… É-lhe devida.
Paga?… Paga-lhe toda a adversa sorte.

Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos?… Volvereis à morte.
Ele, que é morto?… Vive a eterna vida.

O Desfecho

Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.

Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião,
Uns cingidos de luz, outros ensangüentados…
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a água em cima os olhos espantados.

Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.

Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.