Sonetos sobre Noite de Alberto d'Oliveira

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Sonetos de noite de Alberto d'Oliveira. Leia este e outros sonetos de Alberto d'Oliveira em Poetris.

Cheiro De Espádua

“Quando a valsa acabou, veio à janela,
Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava,
Eu, viração da noite, a essa hora entrava
E estaquei, vendo-a decotada e bela.

Eram os ombros, era a espádua, aquela
Carne rosada um mimo! A arder na lava
De improvisa paixão, eu, que a beijava,
Hauri sequiosa toda a essência dela!

Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh! ciúme!
Sair velada da mantilha. A esteira
Sigo, até que a perdi, de seu perfume.

E agora, que se foi, lembrando-a ainda,
Sinto que à luz do luar nas folhas, cheira
Este ar da noite àquela espádua linda!”

Choro De Vagas

Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.

São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;

Vejo-os na escuridão da noite, aflitos,
Bracejando ou já mortos e de bruços,
Largados das marés, em ermas plagas…

Ah! que são deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!

Lição Quotidiana

Cada manhã ressuscito
Do sono, esse irmão da Morte,
Que é minha estrela do norte,
Meu professor de infinito.

Hora por hora medito
Sua lição clara e forte;
Mas nem assim minha sorte
Encaro menos aflito.

E, se acordo com o dia,
Cheio de fé e alegria,
Julgando-me imorredoiro,

À noite estou moribundo…
E em meu vazio tesoiro
Vejo o meu fim, e o do mundo!

A Vingança Da Porta

Era um hábito antigo que ele tinha:
Entrar dando com a porta nos batentes.
– Que te fez essa porta? a mulher vinha
E interrogava. Ele cerrando os dentes:

– Nada! traze o jantar! – Mas à noitinha
Calmava-se; feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.

Urna vez, ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
Entra mais devagar… – Pára, hesitando…

Nisto nos gonzos range a velha porta,
Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala,
A mulher como doida e a filha morta.

Horas Mortas

Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica
Mas é tão tarde! Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;

E na mesa em que escrevo apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.

A Mata Virgem, Desgrenhada Aos Ventos

A mata virgem, desgrenhada aos ventos,
Eleva à noite a alma complexa e vária;
Do musgo humilde às grimpas da araucária
Há, talvez, gritos, há talvez, lamentos.

Olhos presos na sombra, a passos lentos
Passeando na varanda solitária,
Apraz-me àquela orquestra tumultuária
A sós ouvir os rudes sons violentos.

Ó noite, como que raivando, levas
Com o teu meu coração por essas trevas!
O teu – cólera, o meu – doce reclamo;

Ambos, ao fogo atroz que têm no seio,
O teu bramindo: – O ódio eu sou, e odeio!
O meu chorando: – Eu sou o Amor, eu amo!