Sonetos sobre Olhar de Charles Baudelaire

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Sonetos de olhar de Charles Baudelaire. Leia este e outros sonetos de Charles Baudelaire em Poetris.

A Musa Enferma

Ă“ minha musa, entĂŁo! que tens tu, meu amor?
Que descorada estás! No teu olhar sombrio
Passam fulgurações de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.

Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mau, visĂŁo cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?

Eu quisera que tu, saudável e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristĂŁo, ritmado, te pulsara

Como do silabálirio antigo os sons variados,
Onde reinam, o par, os deuses decantados;
Febo — pai das canções, e Pã — senhor da seara!

Tradução de Delfim Guimarães

CorrespondĂŞncias

A natureza Ă© um templo augusto, singular,
Que a gente ouve exprimir em lĂ­ngua misteriosa;
Um bosque simbolista onde a árvore frondosa
VĂŞ passar os mortais, e segue-os com o olhar.

Como distintos sons que ao longe vĂŁo perder-se,
Formando uma sĂł voz, de uma rara unidade,
Tem vasta como a noite a claridade,
Sons, perfumes e cor logram corresponder-se

Há perfumes subtis de carnes virginais,
Doces como o oboé, verdes como o alecrim,
E outros, de corrupção, ricos e triunfais

Como o âmbar e o musgo, o incenso e o benjoim,
Entoando o louvor dos arroubos ideais,
Com a larga expansĂŁo das notas d’um clarim.

Tradução de Delfim Guimarães

ObsessĂŁo

Os bosques para mim sĂŁo como catedrais,
Com orgĂŁos a ulular, incutindo pavor…
E os nossos corações, – jazidas sepulcrais,
De profundis tambĂ©m soluçam, n’um clamor.

Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh’alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.

Ai! como eu te amaria, Ăł Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!

Que a própria escuridão é tambem uma téia,
Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares.
Os entes que perdi, – espectros familiares!

Tradução de Delfim Guimarães

Perfume ExĂłtico

Quando eu a dormitar, num Ă­ntimo abandono,
Respiro o doce olor do teu colo abrasante,
Vejo desenrolar paisagem deslumbrante
Na aurĂ©ola de luz d’um triste sol de outono;

Um Ă©den terreal, uma indolente ilha
Com plantas tropicais e frutos saborosos;
Onde há homens gentis, fortes e vigorosos,
E mulher’s cujo olhar honesto maravilha.

Conduz-me o teu perfume Ă s paragens mais belas;
Vejo um porto ideal cheio de caravelas
Vindas de percorrer paĂ­ses estrangeiros;

E o perfume subtil do verde tamarindo,
Que circula no ar e que eu vou exaurindo,
Vem juntar-se em minh’alma Ă  voz dos marinheiros.

Tradução de Delfim Guimarães

A Teodoro de Banville

De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufiĂŁo de esquina.

Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.

O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a tĂşnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —

TrĂŞs vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, rĂ©pteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?

Tradução de Delfim Guimarães