Sonetos sobre Olhar de Olavo Bilac

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Sonetos de olhar de Olavo Bilac. Leia este e outros sonetos de Olavo Bilac em Poetris.

Quarenta Anos

Sim! como um dia de verĂŁo, de acesa
Luz, de acesos e cálidos fulgores,
Como os sorrisos da estação das flores,
Foi passando também tua beleza.

Hoje, das garras da descrença presa,
Perdes as ilusões. Vão-se-te as cores
Da face. E entram-te n’alma os dissabores,
Nublam-te o olhar as sombras da tristeza.

Expira a primavera, O sol fulgura
Com o brilho extremo. . . E aĂ­ vĂŞm as noites frias,
AĂ­ vem o inverno da velhice escura…

Ah! pudesse eu fazer, novo Ezequias,
Que o sol poente dessa formosura
Volvesse Ă  aurora dos primeiros dias!

XI

Todos esses louvores, bem o viste,
NĂŁo conseguiram demudar-me o aspecto:
SĂł me turbou esse louvor discreto
Que no volver dos olhos traduziste…

Inda bem que entendeste o meu afeto
E, através destas rimas, pressentiste
Meu coração que palpitava, triste,
E o mal que havia dentro em mim secreto.

Ai de mim, se de lágrimas inúteis
Estes versos banhasse, ambicionando
Das néscias turbas os aplausos fúteis!

Dou-me por pago, se um olhar lhes deres:
Fi-los pensando em ti, fi-los pensando
Na mais pura de todas as mulheres.

IX

De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lágrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.

De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perĂ­cia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.

Olho-te: cega ao meu olhar te fazes …
Falo-te – e com que fogo a voz levanto! –
Em vĂŁo… Finges-te surda Ă s minhas frases…

Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vĂŞs a nova dor que trazes
Ă€ dor antiga que doĂ­a tanto!

X

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que Ă© teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: nĂŁo posso mais! Ando tĂŁo cheio
Deste amor, que minh’alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo…

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

Leio-Te: – O Pranto Dos Meus Olhos Rola:

Leio-te: – o pranto dos meus olhos rola:
– Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola …

Todo o nosso romance: – a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, – neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.

Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as páginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.

Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vê-la, plácida, a meu lado,
Lendo comigo a página que leio.

XIX

Sai a passeio, mal o dia nasce,
Bela, nas simples roupas vaporosas;
E mostra Ă s rosas do jardim as rosas
Frescas e puras que possui na face.

Passa. E todo o jardim, por que ela passe,
Atavia-se. Há falas misteriosas
Pelas moitas, saudando-a respeitosas…
É como se uma sílfide passasse!

E a luz cerca-a, beijando-a. O vento Ă© um choro
Curvam-se as flores trĂŞmulas … O bando
Das aves todas vem saudá-la em coro …

E ela vai, dando ao sol o rosto brendo.
Ă€s aves dando o olhar, ao vento o louro
Cabelo, e Ă s flores os sorrisos dando…

Beethoven Surdo

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e restrugia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversĂŁo do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo.

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

XV

Inda hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as e punge-me a lembrança delas;
Lembro-as, e vejo-as, como as vi partindo,
Estas cantando, soluçando aquelas.

Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob as rosas de neve das capelas;
Outras, de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo o seio, lĂşbricas e belas…

Todas, formosas como tu, chegaram,
Partiram… e, ao partir, dentro em meu seio
Todo o veneno da paixĂŁo deixaram.

Mas, ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tĂŁo cheio
De luz tĂŁo viva, que abrasasse tanto.

I

Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trĂŞmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a… Em cada
Degrau, que o ouro mais lĂ­mpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de sĂşplicas, feria…

Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.

E, Ăł meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando…

A Voz do Amor

Nessa pupila rĂştila e molhada,
RefĂşgio arcano e sacro da Ternura,
A ampla noite do gozo e da loucura
Se desenrola, quente e embalsamada.

E quando a ansiosa vista desvairada
Embebo Ă s vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura…

É a voz do Amor, que, em teu olhar falando,
Num concerto de sĂşplicas e gritos
Conta a histĂłria de todos os amores;

E vĂŞm por ela, rindo e blasfemando,
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores…

No Meio Do Caminho

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…

E paramos de sĂşbito na estrada
Da vida: longos anos, presa Ă  minha
A tua mĂŁo, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

XXXII

Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.

Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vĂ´o, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …

E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…

Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mĂŁo!

XXII

A Goethe.

Quando te leio, as cenas animadas
Por teu gĂŞnio, as paisagens que imaginas,
Cheias de vida, avultam repentinas,
Claramente aos meus olhos desdobradas.

Vejo o céu, vejo as serras coroadas
De gelo, e o sol que o manto das neblinas
Rompe, aquecendo as frĂ­gidas campinas
E iluminando os vales e as estradas.

Ouço o rumor soturno da charrúa,
E os rouxinĂłis que, no carvalho erguido,
A voz modulam de ternuras cheia.

E vejo, Ă  luz tristĂ­ssima da lua,
Hermann que cisma, pálido, embebido
No meigo olhar da loura DorothĂ©a…

XX

Olha-me! O teu olhar sereno e brando
Entra-me o peito, como um largo rio
De ondas de ouro e de luz, lĂ­mpido, entrando
O ermo de um bosque tenebroso e frio.

Fala-me! Em grupos doudejantes, quando
Falas, por noites cálidas de estio,
As estrelas acendem-se, radiando,
Altas, semeadas pelo céu sombrio.

Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto
Agora, agora de ternura cheia,
Abre em chispas de fogo essa pupila…

E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto
Em seu fulgor me abraso, uma sereia
Soluce e cante nessa voz tranqĂĽila!

A Sesta De Nero

Fulge de luz banhado, esplĂŞndido e suntuoso,
O palácio imperial de pórfiro luzente
E mármor da Lacônia. O teto caprichoso
Mostra, em prata incrustado, o nácar do Oriente.

Nero no toro ebĂşrneo estende-se indolente…
Gemas em profusão do estrágulo custoso
De ouro bordado vĂŞem-se. O olhar deslumbra, ardente,
Da púrpura da Trácia o brilho esplendoroso.

Formosa ancila canta. A aurilavrada lira
Em suas mãos soluça. Os ares perfumando,
Arde a mirra da Arábia em recendente pira.

Formas quebram, dançando, escravas em coréia.
E Nero dorme e sonha, a fronte reclinando
Nos alvos seios nus da lúbrica Popéia.