Sonetos sobre Pensamentos de Florbela Espanca

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Sonetos de pensamentos de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

O Que Alguém Disse

“Refugia-te na Arte” diz-me AlguĂ©m
“Eleva-te num vĂ´o espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

SĂł Ă© grande e perfeito o que nos vem
Do que em nĂłs Ă© Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguĂ©m!”

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que Ă© triste, como eu, fico a pensar…

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol Ă© cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…

Nocturno

Amor! Anda o luar todo bondade,
Beijando a terra, a desfazer-se em luz…
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que andam pisando as ruas da cidade!

E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!

Minh’alma, que eu te dei, cheia de mágoas,
E nesta noite o nenĂşfar dum lago
‘Stendendo as asas brancas sobre as águas!

Poisa as mĂŁos nos meus olhos com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago…
E deixa-me chorar devagarinho…

AngĂşstia

Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!

E nĂŁo se quer pensar! … e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nĂłs …
Querer apagar no céu – ó sonho atroz! –
O brilho duma estrela, com o vento! …

E nĂŁo se apaga, nĂŁo … nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga …
Vem sempre perguntando: “O que te resta? …”

Ah! nĂŁo ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!

Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lĂşcida Verdade, o Sentimento!
– E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento! …

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
– E ser, depois de vir do coração,
O pĂł, o nada, o sonho dum momento …

SĂŁo assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!