Sonetos sobre Prazer de J. G. de Araújo Jorge

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Sonetos de prazer de J. G. de Araújo Jorge. Leia este e outros sonetos de J. G. de Araújo Jorge em Poetris.

Meu Coração

Eu tenho um coração – um mísero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…

Eu tenho um coração, – um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…

Quando tudo é matéria e é sombra – ele é uma luz…
Ainda crê na ilusão… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…

Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…

Existo

Seu amor me fez real, e me deu sentido
da alegria de ser, total, completamente…
Fez de um pobre poeta em sonhos consumido
alguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente!

Seu amor foi a vida a irromper da semente
de um velho coração cansado e ressequido,
o verde que voltou ao ramo nu, pendente,
a imprevisível flor, o fruto inconcebido…

Seu amor foi milagre a cantar pelo chão
como a água, no agreste, a acenar ao viajante
a esperança, o prazer, a vida, a salvação…

Passo a existir, quem sabe ? apenas porque amei…
E ela existe talvez, a partir deste instante
porque ela e o seu amor… em versos transformei!

Frustração

Persegui-a com as mãos, como uma criança a um brinquedo.
Era um sonho; era mais: – a alegria que chega,
o prazer que nos toma e nos deixa inebriados,
atirando à corrente, num gesto, os sentidos…

Ah! Povoou minhas noites de sono sem pálpebras;
dançava entre estrelas na distância, – via-a!
Meu destino! pensei, – eis o amor! – É esse sangue
que me queima por dentro e me agita: eis o amor!

E alcancei-a! Eis o mar ao redor atordoante!
Nos meus braços em concha era como uma pérola
escondida, o mistério do oceano a guardar…

E de repente, é estranho! esse vazio, esta ânsia!
Como a posse do amor está longe do amor
e o rumor que há na concha… está longe do mar!

Razões

“Razões…”
I
Pensarás que é mentira e é no entanto verdade
– mas me afasto de ti, propositadamente,
pelo estranho prazer de sentir que a saudade
ainda torna maior o coração da gente…

Parto! Bem sei que parto sem necessidade!
Quero ver os teus olhos turvos, de repente,
embora não compreenda essa felicidade
que assim te faz sofrer comigo inutilmente!

Quero ouvir-te na hora da despedida
que eu volte bem depressa para a tua vida,
– quero no último beijo um soluço interior…

Que enquanto ficas só, e enquanto vou sozinho,
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho
que há de aquecer na volta o nosso eterno amor!

Domínio

Hoje, tu já não coras se te abraço,
hoje, tu já não foges ao meu beijo…
Sabes que és minha… e o que desejo e faço
é o que faz e deseja o teu desejo…

Ficas mais bela no desembaraço
da suave intimidade em que te vejo…
Nada negas – e dando-me o que almejo
tudo me dás – quando o teu corpo enlaço!

quando o teu corpo junto ao meu se aninha…
Vives pelo prazer de seres minha,
e és dócil e flexível como uma haste,

No abandono total em que te enleias,
quem diria, que um dia, já negaste
com a mesma boca com que agora anseias!