Sonetos sobre Ruína de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de ruína de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

LXXIII

Quem se fia de Amor, quem se assegura
Na fantástica fé de uma beleza,
Mostra bem, que não sabe, o que é firmeza,
Que protesta de amante a formosura.

Anexa a qualidade de perjura
Ao brilhante esplendor da gentileza,
Mudável é por lei da natureza,
A que por lei de Amor é menos dura.

Deste, ó Fábio, que vês, desordenado,
Ingrato proceder se é que examinas
A razão, eu a tenho decifrado:

São as setas de Amor tão peregrinas,
Que esconde no gentil o golpe irado;
Para lograr pacífico as ruínas.

XXXIX

Breves horas, Amor, há, que eu gozava
A glória, que minha alma apetecia;
E sem desconfiar da aleivosia,
Teu lisonjeiro obséquio acreditava.

Eu só à minha dita me igualava;
Pois assim avultava, assim crescia,
Que nas cenas, que então me oferecia,
O maior gosto, o maior bem lograva;

Fugiu, faltou-me o bem: já descomposta
Da vaidade a brilhante arquitetura,
Vê-se a ruína ao desengano exposta:

Que ligeira acabou, que mal segura!
Mas que venho a estranhar, se estava posta
Minha esperança em mãos da formosura!

XXVI

Não vês, Nise, este vento desabrido,
Que arranca os duros troncos? Não vês esta,
Que vem cobrindo o céu, sombra funesta,
Entre o horror de um relâmpago incendido?

Não vês a cada instante o ar partido
Dessas linhas de fogo? Tudo cresta,
Tudo consome, tudo arrasa, e infesta,
O raio a cada instante despedido.

Ah! não temas o estrago, que ameaça
A tormenta fatal; que o Céu destina
Vejas mais feia, mais cruel desgraça:

Rasga o meu peito, já que és tão ferina;
Verás a tempestade, que em mim passa;
Conhecerás então, o que é ruína.

XLVIII

Traidoras horas do enganoso gosto,
Que nunca imaginei, que o possuía,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquele bem de ser suposto.

Já de parte o tormento estava posto;
E meu peito saudoso, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.

Desanda então a fábrica elevada,
Que o plácido Morfeu tinha erigido,
Das espécies do sono fabricada:

Então é, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruína, o bem fingido.