Sonetos sobre Segredos de Antero de Quental

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Sonetos de segredos de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

Homo

Nenhum de vĂłs ao certo me conhece,
Astros do espaço, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece…

NinguĂ©m sabe quem sou… e mais, parece
Que há dez mil anos já, neste degredo,
Me vĂŞ passar o mar, vĂŞ-me o rochedo
E me contempla a aurora que alvorece…

Sou um parto da Terra monstruoso;
Do hĂşmus primitivo e tenebroso
Geração casual, sem pai nem mĂŁe…

Misto infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satanás; — talvez um filho
Bastardo de Jeová; — talvez ninguém!

Aparição

Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo…

EntĂŁo, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vĂŁo,
Larva fugida ao sepulcral degredo…

E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos…

— «Ouve! espera!» — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!

Intimidade

Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobiçosa,
És bela – e se te nĂŁo comparo Ă  rosa,
É que a rosa, bem vĂŞs, passou de moda…

Anda-me às vezes a cabeça à roda,
Atrás de ti também, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidĂŁo ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.

Mas Ă© na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!

E nĂŁo te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo,
Juras – mentindo – que me tens amor…

Voz Interior

(A JoĂŁo de Deus)

Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…

Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
AtravĂ©s d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…

Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrĂ­vel, monĂłtono vaivĂ©m…

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!