Eu Vivia De Lágrimas Isento
Eu vivia de lágrimas isento,
num engano tão doce e deleitoso
que em que outro amante fosse mais ditoso,
não valiam mil glórias um tormento.Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhüa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tão contente e alegre estado,
e passou-me este bem, que nunca fora:em troco do qual bem só me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me à memória o bem passado.
Sonetos sobre Sentimentos de Luís de Camões
6 resultadosDe Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glória que em sofrer tal pena sentem.
Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque não respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.
Quanto Mais me Paga, Mais me Deve
Passo por meus trabalhos tão isento
De sentimento grande nem pequeno,
Que só por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c’o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque não mo consente o sofrimento.Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.Mas se me vê co’os males tão contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.
Fortuna Em Mim Guardando Seu Direito
Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por não dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto , em cujo sentimento
a memória não faz senão matar-me ,que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?
Mais Há-de Perder quem Mais Alcança
De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
Se mais há-de perder quem mais alcança!Mas dou-vos esta firme segurança:
Que, posto que me mate o meu tormento,
Pelas águas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com cousa outra alguma se contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereçam
A glória que em sofrer tal pena sentem.